Tapeçaria do Apocalipse. Castelo de Angers, França. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
“Eu quero dizer bem forte, meus filhos, que hoje mais do que nunca a força principal dos maus está na fraqueza dos bons, e o nervo de Satanás entre nós é o esvaziamento do cristianismo nos cristãos. (...)
“A grande provação estará próxima, estará longe – ninguém o sabe, e não ouso fazer vaticínios a esse respeito, pois estou de acordo com Bossuet quando diz: ‘Eu tenho medo de pôr minhas mãos sobre o futuro’”. (Explication de l'Apocalypse, cap. 20. Edit. Lebel, T. m, p. 478).
Mas o certo é que, na medida em que o mundo se aproxima de seu final, os maus e os sedutores terão sempre mais vantagem: Mali autem et seductores proficient in pejus (II Timoth., III, 13).
“Não se encontrará quase mais Fé sobre a terra” (Luc., XVIII, 8), ou seja, ela terá desaparecido quase completamente de todas as instituições terrenas.
Os próprios fiéis apenas ousarão fazer profissão pública e social de sua Fé. Divisão, separação, divórcio das sociedades em relação a Deus: isso é o que nos é dado ver por São Paulo como um sinal precursor do fim que irá se consumando dia a dia: nisi venerit discessio primum (II Thessal. ,I, 3).
A Igreja, sociedade visível, sem dúvida ficará cada vez mais reduzida a proporções meramente individuais e domésticas.
Ela, que em seu início dizia: “O espaço me fica estreito, abri espaço para mim onde eu possa morar”: Angustus est mihi locus, fac spatium mihi ut habitem (Is., XLIX, 20), verá seu terreno disputado palmo a palmo; será sitiada, assediada por toda parte; tão grande como foi através dos séculos, tentar-se-á reduzi-la na mesma proporção à pequenez.
Por fim, haverá para a Igreja na terra como que uma verdadeira derrota: “será dado à besta fazer a guerra aos santos e vencê-los” (Apoc., XIII, 7). A insolência do mal atingirá o auge.
Os mundanos dançam sobre os cadáveres das testemunhas de Deus. Biblioteca de Toulouse (1220-1270). |
Aferrando-se a uma impossibilidade mais palpável do que nunca, eles dirão com redobrada energia, no ardor de suas orações e pela atividade de suas obras, pela intrepidez de suas lutas: ó Deus, ó Pai nosso que estais nos Céus, que vosso nome seja santificado na Terra como no Céu, que vosso reino venha a nós na Terra como no Céu, que vossa vontade seja feita sobre na Terra como no Céu: Sicut in cœlo et in terra Sobre a terra como no Céu!
Eles ainda murmurarão essas palavras e a terra sumirá debaixo de seus pés.
E, como outrora após um espantoso desastre, viu-se o Senado de Roma e todas as ordens do Estado irem ao encontro do cônsul vencido e felicitá-lo, porque ele não perdeu a esperança da cidade (Tit. Liv., L. XXII, n. 61); assim, o Senado dos Céus, todos os coros angélicos, todas as ordens de bem-aventurados virão ao encontro dos generosos atletas que souberam sustentar o combate até o fim, esperando contra a própria esperança: Contra spem in spem.
E então, esse ideal impossível, que todos os eleitos de todos os séculos tinham obstinadamente procurado, tornar-se-á finalmente realidade.
Nessa segunda e última vinda, o Filho entregará o reino deste mundo a Deus seu Pai; o poder do mal será precipitado para sempre no fundo dos abismos (II Corint., XV, 24); tudo o que não tiver querido assimilar-se, incorporar-se a Deus por meio de Jesus Cristo, pela fé, pelo amor, pela observância da Lei, será relegado à cloaca das imundices eternas.
E Deus viverá, e reinará plena e eternamente, não só na unidade de sua natureza e na sociedade das três Pessoas divinas, mas na plenitude do Corpo Místico de seu Filho encarnado e na plenitude de seus santos.
(Autor: Cardeal Louis-Édouard-François-Desiré Pie (1815 – 1880), “Discurso na solenidade da recepção das relíquias de São Emiliano, pronunciado na catedral de Nantes, 9 de novembro de 1859”, in Oeuvres de monseigneur l'évêque de Poitiers, Tomo 3, Bibliothèque Nationale de France)
Notícia histórica do Cardeal Pie
O Cardeal Luis Eduardo Pie (1815 – 1880), foi bispo de Poitiers, França, elevado ao Cardinalato pela brilhante apologia da infalibilidade pontifícia no Concílio Vaticano I. Ele ficou famoso pelo seu “ultramontanismo” [literalmente = além das montanhas, apelativo dado aos franceses defensores do Papado] e pela sua ativa apologia do reinado social de Cristo Rei.
No Grande Seminário de Saint-Sulpice, em Paris, se destacou na polêmica contra os eclesiásticos “galicanos” [defensores de falsas prerrogativas do governo leigo francês, ou “galo”]. Ele foi ardido pregador contra o liberalismo, o relativismo e o livre pensamento condenado pelos Papas.
Em 12 de julho de 1843 escreveu uma carta que definia sua orientação autenticamente católica: “O partido neo-católico liberal é um filho da Revolução; e a Revolução é satânica na sua essência”.
Foi vigário da catedral e vigário geral da diocese de Chartres. Em 28 de setembro de 1849, o Papa Pio IX o nomeou bispo da diocese de Poitiers, ilustrada pelo ensinamento de Santo Hilário, Doutor da Igreja.
Ele resumia sua ação com a frase de São Paulo: instaurare omnia in Christo.
Exerceu grande influência sobre o conde de Chambord, pretendente legítimo ao trono da França. Foi muito hostilizado pelos bispos favoráveis a uma conciliação com o liberalismo positivista anticristão. Esses bispos defendiam um carunchado e insincero “cristianismo moderado”.
O bispo de Poitiers lhes respondia que “o diabo se chacoalha violentamente no seio do cristianismo moderado”, o qual segundo ele, era uma das mais danosas formas de subversão.
Ele tentou influenciar o imperador Napoleão III e lhe abrir os olhos diante do perigo que crescia contra a Igreja e contra a sociedade. Após infrutífera audiência em 15 de março de 1859, Mons. Pie anunciou profeticamente ao chefe de Estado o fracasso de seu reinado. O imperador foi deposto em setembro de 1870 após catastrófica derrota contra a Prússia protestante e iluminista.
Mons. Pie comparava o contrarrevolucionário Papa Pio IX ao próprio Cristo dizendo que o furor do inferno e do laicismo se desencadeou contra o Pontífice. Ele punha no boca do governo francês as insensíveis e cruéis palavras de Poncio Pilatos: Ecce homo !
Ele preveniu bispos e governantes para a vinda não remota do Anticristo preanunciada pela dissolução geral da sociedade cada vez mais liberal.
Mons. Pie foi perseguido e condenado pelo governo. Em 1863, denunciava a perseguição anticristã dizendo:
“O objetivo da Revolução [se referindo em primer lugar à Revolução Francesa de 1789 e seus sucedâneos] é o esmagamento do cristianismo na vida pública, a derrubada da ortodoxia social.
“Destruir os últimos restos do edifício antigo da Europa cristã. E, para que a demolição seja definitiva, abater a pedra angular em volta da qual ainda poderiam se articular os últimos restos subsistentes.
“Eis a obra na qual convergem abertamente as mil vozes da impiedade da nossa geração: a caotização à qual nos assistimos”.
Em 29 janeiro de 1879 foi elevado à dignidade de Cardeal pelo Papa Leão XIII. Roma quis premia-lo pelo seu brilhante atividade no Concílio Vaticano em favor do dogma da infalibilidade pontifícia, felizmente aprovado.
O cardeal Pie – “meu Mestre”, dizia São Pio X – profetizou, e eis aqui alguns textos que é bom redescobrir nestes dias.
A concordância com as mensagens de La Salette e Fátima se impõe por si mesma e dispensa comentários.
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