segunda-feira, 24 de julho de 2023

Sóror Catarina de Jesus O.P.: “maus sacerdotes, religiosos e religiosas são causa de toda a perdição do mundo”

Soror Catarina de Jesus Herrera Campusano OP  (1717-1795). Quadro exposto em seu mosteiro.
Soror Catarina de Jesus Herrera Campusano OP  (1717-1795).
Quadro exposto em seu mosteiro.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








A Venerável Serva de Deus Soror Catarina Jesus María Herrera Campusano O.P. (1717-1795) nasceu em Guayaquil, Equador, em 22 de agosto de 1717 e faleceu em Quito no dia 29 de setembro de 1795.

Ela foi religiosa do Mosteiro de Santa Catarina de Quito onde ficou célebre por suas virtudes e dons místicos, suas visões e milagres atribuídos.

Entre esses se contam os obtidos mediante o chamado “banco da fertilidade”, que pertenceu à religiosa, e onde as mulheres e os casais que têm problemas de fertilidade, se sentando e rezando invocam a graça desejada: os filhos.

Mas muitos outros ainda pedem por diversos problemas de saúde. O “banco de la fertilidad” é levado à igreja por causa do grande número de devotos. Ver vídeo embaixo.

Ingressou no convento de Santa Catarina de Siena em 1741. Ela escreveu sua autobiografia por ordem do confessor Frei Tomás Corrales, O.P.: Secretos entre el alma y Dios.

O livro é muito apreciado ainda hoje pelo estilo simples, formoso e ameno, rico de recursos literários e idiomáticos. Cfr Herrera Campuzano, Sor Catalina de Jesús (1717-1795).

O banco da fertilidade de Sóror Catarina de Jesus.
O “banco de la fertilidad” de Sóror Catarina de Jesus.
Esta venerada religiosa foi beneficiada com visões e revelações relativas a seu tempo e aos vindouros, com dons de milagre e profecia.

No que se refere ao tema deste blog focado na Aparição e no segredo e La Salette, a Providência quis lhe conceder favores que, de um modo colateral mas muito expressivo, confirmam alguns dos aspectos mais polêmicos da mensagem de La Salette.

Com efeito, La Salette foi muito perseguida e até chegou a ser interditada temporariamente. O motivo alegado para essa hostilidade foi uma denúncia de Nossa Senhora contida no Segredo de La Salette que os 'progressistas' da época achavam forte demais.

Em verdade, eles se sentiram apanhados:
“Os sacerdotes, ministros de meu Filho, pela sua má vida, sua irreverência e impiedade na celebração dos santos mistérios, pelo amor do dinheiro, das honrarias e dos prazeres, tornaram-se cloacas de impureza.

A cela de sóror Catarina de Jesus no mosteiro de Quito.
A cela de sóror Catarina de Jesus no mosteiro de Quito.
Sim, os sacerdotes atraem a vingança e a vingança paira sobre suas cabeças. Ai dos sacerdotes e das pessoas consagradas a Deus, que pela sua infidelidade e má vida crucificam de novo meu Filho!

Os pecados das pessoas consagradas a Deus bradam ao Céu e clamam por vingança.

E eis que a vingança está às suas portas, pois não se encontra mais uma pessoa a implorar misericórdia e perdão para o povo.

Não há mais almas generosas, não há mais ninguém digno de oferecer a vítima imaculada ao [Pai] Eterno em favor do mundo”.

A fama da religiosa
levou os Correios equatorianos
a fazerem um selo em sua memória.
No mesmo sentido, no século anterior à aparição de La Salette, Nosso Senhor Jesus Cristo desvendou essa dolorosa realidade para a venerável Catarina de Jesus.

Dessa maneira, almas de escol que não se conheceram, nem viveram na mesma época, e ainda separadas por uma distância geográfica e cultural colossal, receberam análogas lamentações e advertências.

Uma visão confirma a outra.

Em todos os casos, Nosso Senhor convidou a rezar e expiar para mudar esses vícios que tanto O ferem.

Se La Salette não tivesse sido tão hostilizada e silenciada pelos religiosos que se sentiram aludidos, quiçá a situação da Igreja e do clero seria muito melhor ou, pelo menos, não estaria tão complicada.

Ouçamos a confidente equatoriana de Jesus nos contando o que viu e ouviu:


Fachada da igreja do mosteiro de Santa Catarina em Quito.
Fachada da igreja do mosteiro de Santa Catarina em Quito.
Ó meu Jesus, começastes a me dar a entender quão irritado estavas com os homens. E me dizias:

“De toda perdição do mundo são causa os Sacerdotes, Religiosos e Religiosas.

“Os eclesiásticos são causa da perdição das pessoas seculares.

“Na Lei da Graça eu os coloquei como exemplo, para que contivessem os deslizes do século.

“E como por seus maus costumes deixaram que se lhes perdesse totalmente o respeito, já o mundo não faz nenhum caso deles, razão pela qual não é de nenhum proveito o que pregam.

“Se eles vivessem como devem, meu Espírito infundiria por seus lábios fervor nas pessoas do mundo. E daí se seguiria a moderação nos costumes.

“Mas como as pessoas do mundo veem que eles fazem as mesmas coisas que os outros, foi-se introduzindo o hábito de desprezá-los, e fica sem efeito a sua Doutrina.

“Se algum servo meu vem a dizer a verdade, o mundo o ouve com admiração.

“Mas as pessoas muito pouco ou nada aproveitam, porque já estão arraigados os maus costumes, causados pelos demais Religiosos e Eclesiásticos, envelhecidos nos vícios, e que desde muito antes deram os maus exemplos.

“Eles constituem o principal motivo pelo qual meu Braço quer descarregar sua Justiça.

“Outro pecado há, minha filha, nos conventos de Religiosos e Religiosas, que me deixa muito irritado e vai provocando minha Justiça, para que nos conventos Eu não venha a deixar pedra sobre pedra”.

Ignorava eu que pecado fosse esse. E contando isto ao meu confessor, perguntei-lhe do que se tratava. E ele, dando um suspiro, disse: “Ai filha! Para que o queres saber? Pede só a Deus que destrua esse pecado”.

Outras vezes o Senhor me dava a entender: “Este pecado é causa de que pereçam as Ordens Religiosas. E nas Ordens femininas causa-me asco ouvi-las dizerem-se minhas esposas. Isto faz com que Eu não habite nos conventos.

Uma religiosa do mosteiro beija os pés do Cristo das Misericórdias, no claustro do convento. Queira Ele ter pena dos maus sacerdotes e religiosos nesta época tão perturbada.
Uma religiosa do mosteiro beija os pés do Cristo das Misericórdias,
no claustro do convento. Queira Ele ter pena
dos maus sacerdotes e religiosos nesta época tão perturbada.
“Só a força de minha palavra me faz habitar sacramentado, sofrendo tanto desacato naquelas que se chamam minhas Casas. Eu as deixarei sem a Casa que assim ultrajam”. […]

“Uma noite Vos pedia, Senhor, que destruísses aquele pecado que me dizias que havia nas Ordens Religiosas e que eu não conhecia […]

“Nesse tempo ouvi como a entrar pela cela um grande Carro que se dirigia em velocidade para o Oratório onde eu estava e ia entrar dentro dele.

“Conhecendo o que vinha dentro do Carro, fiquei horrorizada e me escondi, levando junto os papéis nos quais estavam anotados vossos favores.

“E quando percebi que o Carro estava junto à porta do Oratório, eu Vos disse: “Senhor, detém esse monstro do lado de fora, pois não tenho ânimo para vê-lo”.

“Deteve-se o Carro à porta e não entrou. Entendi que vinha triunfante no Carro aquele horrendo pecado em forma de um grande monstro que não tinha pés nem cabeça, tão horrendo e negro, coberto por uma fumaça espessa. E ao redor do carro serviam a este monstro muitos meninos religiosos (religiositos niños).

“Conheci que o monstro abrigava dentro de si a muitos Religiosos de maior idade e Sacerdotes e também muitas Religiosas, de Ordens de ambos os sexos.

“Conhecendo aqui aquele pecado, que era tão horroroso, feio, sujo e desordenado, foi tanto o meu pavor que eu inteira tremia de horror.

“E sem que ele tivesse chegado até onde eu estava, somente com conhecer que estava do lado de fora, pensei que ia morrer, e Vos dizia: “Basta, Senhor, basta. Tira de junto de mim esta horrenda visão”. E então ele desapareceu”.

(Fonte: Autobiografia de la Venerable Madre Sor Catalina de Jesús Herrera, Edit. Santo Domingo, Quito, 1954, pp. 271/2).


O mosteiro de Santa Catalina, Quito, onde viveu a confidente de Deus:







segunda-feira, 3 de julho de 2023

A história do 'Exorcista do Papa': Pe. Gabriele Amorth

O Padre Gabriele Amorth foi exorcista da diocese de Roma durante 30 anos
O Padre Gabriele Amorth foi exorcista da diocese de Roma durante 30 anos
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Um filme criado a partir de dois livros do pranteado exorcista de Roma Pe. Gabriele Amorth (1925-2016) — “Um Exorcista Conta” (1990) e “Novos Relatos de Um Exorcista” (1992) —, voltou a suscitar comentários sobre os casos de possessão diabólica que se tornam cada vez mais preocupantes e frequentes nas nossas sociedades que estão abandonando a fé. Confira a longa reportagem da BBCNews.

O Pe. Amorth no livro “O Último Exorcista” (Ecclesiae, 2012) compara o ritual de exorcismo a uma batalha. Sua armadura consiste apenas numa estola roxa que no início do 'combate' apoia sobre a pessoa a ser exorcizada.

O gládio do exorcista é o crucifixo, e o do Pe.Amorth traz a medalha de São Bento. Outras armas são os sacramentais como a água benta e o óleo santo além do sinal da cruz em sua testa.

Uma característica do Pe. Amorth é que foi soldado que lutou na Segunda Guerra Mundial e chegou a ser condecorado com uma medalha por bravura militar. Formado em Direito e Jornalismo decidiu seguir a vocação sacerdotal que batia na sua alma desde que tinha 12 anos, por incentivo do Beato Pe. Tiago Alberione (1884-1971), fundador da Pia Sociedade de São Paulo.

Amorth foi ordenado sacerdote em 24 de janeiro de 1954 e nomeado exorcista no dia 11 de junho de 1986. Ao ser indagado sobre sua decisão, respondeu: “Não decidi nada.”

Padre Gabriele Amorth e Padre Tiago Alberione, o fundador de sua congregação
Padre Gabriele Amorth e Padre Tiago Alberione,
o fundador de sua congregação
Quem decidiu foi o bispo vigário de Roma, o cardeal Ugo Poletti (1914-1997). Os bispos tem o poder de delegar aos padres de suas dioceses o poder conferido por Jesus de expulsar demônios.

Em 1986, o Pe. Amorth visitou o bispo de Roma quem inesperadamente começou a escrever em silencio e lhe entregou um envelope com um sorriso dizendo: “Parabéns!”

A carta dizia: “Eu, cardeal Ugo Poletti, arcebispo vigário de Roma, nomeio o padre Gabriele Amorth, religioso da Pia Sociedade de São Paulo, exorcista da diocese. Ele colaborará com o padre Cândido Amantini enquanto for necessário.”

O Pe. Amorth gaguejou mas o cardeal foi imperativo: “a Igreja tem desesperada necessidade de exorcistas. O senhor fará bem o trabalho. Não tenha medo”.

Ainda pensando “Quem sou eu para combater o príncipe das trevas?”, o Pe. Amorth entregou a carta com a nomeação do bispo ao Pe. Amantini. Esse pegou um exemplar do Rituale Romanum, do Papa Paulo 5º, e o entregou ao Pe. Amorth.

“Leia as 21 regras que precedem o rito. Decore-as. Sem essas regras, será derrotado”, advertiu.

Os principais sinais de possessão, ensina o livro de 1614, são falar línguas desconhecidas, manifestar fatos ocultos e demonstrar força superior à sua condição física.

Certa vez, durante uma sessão, Amorth viu um menino de 11 anos ser segurado por quatro homens robustos. “O rapazinho os fazia voar”, ilustra. Noutra ocasião, um menino de dez anos levantou uma mesa pesada acima da cabeça. “Jamais teria conseguido sozinho”, atesta.

Mas o sintoma mais grave é a aversão ao sagrado. Caso da pessoa que desmaia quando vai à missa ou espuma de ódio quando vê um padre.

O ritual recomenda que os possuídos sejam exorcizados na igreja ou em outro local religioso, desde que longe das multidões.

Se o possuído estiver doente, pode ser realizado em sua casa. Por medida de segurança, a pessoa que será exorcizada deve ser acomodada numa poltrona, nos casos mais leves, ou numa maca, nos mais graves. Durante o ritual, o exorcista poderá ser ajudado por leigos — poucos e preparados.

Uns o ajudarão a segurar o possuído. Outros, a rezar o rosário e a invocar a intercessão dos santos. Nenhum deles, porém, deve dirigir a palavra ao endemoniado.

O exorcista, prossegue o breviário em latim, não deve se perder em demasiadas palavras ou fazer perguntas desnecessárias. Mais do que um diálogo, o exorcismo é um interrogatório.

“Qual é o teu nome?”, “estás sozinho?” e “quando sairás?” são algumas das perguntas a serem feitas. O objetivo do exorcismo é obrigar o endemoniado a revelar seu nome — Satanás, Lúcifer, Asmodeu...

“Para ele, dizer o nome representa uma grande derrota”, explica Amorth. E, principalmente, ordenar ao demônio, em nome de Jesus, que liberte o possuído.

Padre Cândido Amantini e Padre Gabriele Amorth, exorcistas oficiais da diocese de Roma
Padre Cândido Amantini e Padre Gabriele Amorth,
exorcistas oficiais da diocese de Roma
Gabriele Amorth realizou o primeiro de seus mais de 60 mil exorcismos no dia 21 de fevereiro de 1987. Naquela manhã, padre Cândido Amantini recebera mais um pedido de ajuda. Dessa vez, de um frade franciscano chamado Maximiliano. Um camponês de 25 anos, explicava ao telefone, precisava ser exorcizado.

“Não tenho tempo”, avisou. “Mandarei o Amorth”. “Está certo de que estou pronto?”, perguntou.

“Ninguém nunca está. Mas, você está suficientemente preparado. Toda batalha tem seus riscos. Tem de enfrentá-los um por um”, orientou.

O exorcismo foi realizado na Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma. Logo ao chegar, uma surpresa: além do padre e do camponês, uma terceira pessoa.

“Quem é o senhor?”, perguntou Amorth. “O tradutor”, respondeu o homem. “O tradutor?”, repetiu, atônito.

Padre Maximiliano se apressou em explicar: “Quando entra em transe, só fala inglês”. E foi na língua de Shakespeare que o lavrador italiano começou a gritar as primeiras blasfêmias. Não foi a única vez. Noutra ocasião, uma mulher analfabeta proferiu ofensas num idioma que Amorth desconhecia.

“Tive de fazer com que vários sacerdotes participassem dos exorcismos. Até que um deles desvendou o enigma: era aramaico.”

Amorth dedica o segundo capítulo de “O Último Exorcista” ao seu primeiro exorcismo. “Em Minha Primeira Vez Contra Satanás”, descreve o episódio que classifica como aterrorizante.

A certa altura, os olhos do rapaz viraram para dentro e sua cabeça pendeu sobre as costas da cadeira. Pouco depois, a temperatura no aposento caiu horrores e Amorth passou a sentir um frio glacial.

Mais adiante, o possuído começou a levitar. “Meio metro acima da cadeira”, observa Amorth. “Aí, permaneceu imóvel, suspenso no ar por vários minutos.”

A primeira batalha de Amorth chegou ao fim cinco meses após iniciada, ou seja, no dia 21 de junho de 1987, às 15h. Foram necessárias 20 sessões, uma por semana.

“Libertar um possuído em tão poucas sessões é um milagre”, admite. O exorcismo mais curto de seu ministério durou inacreditáveis dez minutos. O mais longo? Quase 30 anos! “Já fico satisfeito quando um caso se resolve em quatro ou cinco anos”, dizia.

'Nunca encontrei um diabo ateu'


Um exorcismo nunca é igual ao outro. Às vezes, o possesso salta de uma parede para outra como se fosse um macaco ou rasteja pelo chão como uma serpente. Outras vezes, o endemoniado ruge como um leão, uiva como um lobo ou mia como um gatinho.

Houve uma ocasião em que Sabrina, como se fosse a coisa mais natural do mundo, começou a caminhar pela parede, subindo rumo ao teto.

Volta e meia, Amorth ganhava um presentinho: um empurrão aqui, um soco ali, uma mordida acolá...

“Certa vez, um chute que não me pareceu tão forte me deixou com a perna engessada quarenta dias”, relata.

Cusparadas? Nem se lembra mais quantas levou. Quando exorcizou uma religiosa italiana chamada Gisella, viu ela cuspir objetos de ferro, como pregos, parafusos e tesouras. Sim, padres, freiras e religiosos não estão imunes à possessão.

“Amorth saiu de algumas batalhas com hematomas pelo corpo. É impressionante como o diabo empresta força extraordinária a seres fisicamente fracos. Felizmente, alguns dos fenômenos que ele testemunhou ao longo de seu ministério são bastante raros. Como foram raros também os casos em que Amorth conseguiu libertar o possesso com uma única sessão. Apenas dois em mais de 60 mil!”, revela Tosatti.

Certa ocasião, um padre dos EUA chamado Andrew perguntou a Amorth se ele tinha medo de Satanás.

“Não sou eu que tem medo dele. Ele é que deve ter medo de mim. De mim e de todos que vivem em Jesus Cristo”, respondeu Amorth.

O bom humor era um de seus traços marcantes. Quando alguém lhe dizia que “acreditava em Deus, mas não era praticante”, fingia concordar: “Ah, sim! Os diabos também... Creem em Deus, mas não são praticantes. Aliás, nunca encontrei um diabo ateu”, disparava, sarcástico como sempre.

'Satanás não dorme nunca'


Em 1991, Gabriele Amorth teve a ideia de fundar uma associação de exorcistas.

E, na condição de exorcista da diocese de Roma, quis comunicar sua decisão a um determinado cardeal, que ele preferiu não divulgar o nome.

“Nós dois sabemos que Satanás não existe, não é verdade?”, observou Sua Eminência, com uma piscadela marota.

“O que quer dizer com 'sabemos que não existe?”, perguntou Amorth.

“O senhor sabe melhor do que eu que tudo isso é uma superstição”, continuou o cardeal. “Não quer me fazer acreditar que crê nessas coisas, não é?”.

“Bem, o senhor deveria ler um livro que talvez possa ajudá-lo”, sugeriu o padre. “Ah, sim? Qual livro, padre Amorth?”, perguntou o cardeal.

“O Evangelho!”, respondeu, para o espanto do cardeal. “É o Evangelho que nos diz que Jesus expulsa os demônios. Então, o Evangelho também é uma superstição?”.


“Os bispos que não nomeiam exorcistas, apesar da necessidade de suas dioceses, estão em pecado mortal”, afirma Amorth.

“A Igreja Católica dorme. Mas deveria saber que Satanás não dorme nunca. Está sempre acordado, preparado para atacar”.

A Associação Internacional dos Exorcistas (AIE) foi reconhecida pela Igreja Católica no dia 13 de junho de 2014.

Hoje, fazem parte dela cerca de 500 exorcistas. O Monsenhor Rubens Miraglia Zani, da Paróquia Nossa Senhora do Líbano, em Bauru (SP), é um dos 20 brasileiros.

Nomeado exorcista em 2013, conheceu o Padre Amorth um ano antes, durante o curso de formação para exorcistas, promovido pelo Ateneu Pontifício Regina Apostolorum, em Roma.

“Era uma pessoa culta, alegre e inteligente”, descreve. “Seu senso de humor era agudo, mas não ferino.”

“O maior equívoco é pensar no exorcismo como um ritual de magia: basta que se recite mecanicamente o rito, uma única vez e o demônio é obrigado a ir embora, não importando a fé e a colaboração do possesso, nem a fé e a santidade do exorcista”, pondera Zani, delegado coordenador da Secretaria de Língua Portuguesa da AIE.

“O primeiro exorcista de uma pessoa é a própria pessoa que será exorcizada. Se ela não colabora, rezando o terço, meditando a Palavra de Deus e participando da missa, sua situação se arrasta e o exorcista pouco pode fazer.”

'A grande inimiga de Satanás'


O Beato Palau está na origem do retorno à prática do exorcismo
O Beato Palau está na origem do retorno à prática do exorcismo
Em seus últimos anos de vida, Gabriele Amorth realizava uma média de cinco exorcismos por dia.

Mas houve um tempo em que chegou a praticar de dez a quinze.

Por essa razão, gravou um recado em sua secretária eletrônica, reduzindo os pedidos de exorcismo a uma hora semanal: “Telefonemas para agendamento são aceitos apenas às segundas-feiras, das 18h30 às 19h30. Quem não pertence à diocese de Roma, por favor, dirija-se ao seu bispo.”

Em abril de 2016, Amorth ouviu o recado de William Friedkin. O diretor de “O Exorcista”, clássico do gênero adaptado do romance de William Peter Blatty (1928-2017), solicitava autorização para registrar um exorcismo.

“Sou grato a 'O Exorcista'“, disse Amorth em “Investigação sobre o Demônio”. “Embora um tanto sensacionalista, com cenas irreais, é substancialmente exato. Atingiu um público vastíssimo e divulgou a figura do exorcista.”

Autor do livro que deu origem ao filme e do roteiro que ganhou o Oscar, Blatty inspirou-se na história real de um menino de 14 anos que sofreu uma possessão e foi exorcizado por um padre jesuíta chamado William Bowden. O caso aconteceu em 1949 na cidade de Cottage City, no Estado de Maryland.

Gabriele Amorth pediu a Friedkin alguns dias para pensar. Por fim, autorizou a filmagem.

Mas impôs três condições ao cineasta: ele deveria ir sozinho, levar uma única câmera de vídeo e não interferir no ritual. O resultado do exorcismo de Cristina, uma arquiteta italiana de 46 anos, realizado no dia 1º de maio de 2016, quatro meses antes da morte de Amorth, pode ser conferido em “O Diabo e o Padre Amorth”, disponível na Netflix.

Sabrina, Gisella, Cristina... A cada dez exorcismos que Amorth fazia, nove eram de mulheres. Devoto de Nossa Senhora de Fátima, ele nunca soube explicar bem o motivo. Mas, tinha lá seu palpite: o demônio queria se vingar de Maria.

“Por que te assusta mais quando invoco a Nossa Senhora do que quando invoco a Jesus?”, perguntou Amorth, durante uma sessão, em diálogo descrito no livro Novos Relatos de Um Exorcista (Palavra e Prece, 2011).

“Por que me humilha mais ser derrotado por uma criatura humana do que por Ele”, respondeu Satanás.