O Padre Gabriele Amorth foi exorcista da diocese de Roma durante 30 anos |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Um filme criado a partir de dois livros do pranteado exorcista de Roma Pe. Gabriele Amorth (1925-2016) — “Um Exorcista Conta” (1990) e “Novos Relatos de Um Exorcista” (1992) —, voltou a suscitar comentários sobre os casos de possessão diabólica que se tornam cada vez mais preocupantes e frequentes nas nossas sociedades que estão abandonando a fé. Confira a longa reportagem da BBCNews.
O Pe. Amorth no livro “O Último Exorcista” (Ecclesiae, 2012) compara o ritual de exorcismo a uma batalha. Sua armadura consiste apenas numa estola roxa que no início do 'combate' apoia sobre a pessoa a ser exorcizada.
O gládio do exorcista é o crucifixo, e o do Pe.Amorth traz a medalha de São Bento. Outras armas são os sacramentais como a água benta e o óleo santo além do sinal da cruz em sua testa.
Uma característica do Pe. Amorth é que foi soldado que lutou na Segunda Guerra Mundial e chegou a ser condecorado com uma medalha por bravura militar. Formado em Direito e Jornalismo decidiu seguir a vocação sacerdotal que batia na sua alma desde que tinha 12 anos, por incentivo do Beato Pe. Tiago Alberione (1884-1971), fundador da Pia Sociedade de São Paulo.
Amorth foi ordenado sacerdote em 24 de janeiro de 1954 e nomeado exorcista no dia 11 de junho de 1986. Ao ser indagado sobre sua decisão, respondeu: “Não decidi nada.”
Padre Gabriele Amorth e Padre Tiago Alberione, o fundador de sua congregação |
Em 1986, o Pe. Amorth visitou o bispo de Roma quem inesperadamente começou a escrever em silencio e lhe entregou um envelope com um sorriso dizendo: “Parabéns!”
A carta dizia: “Eu, cardeal Ugo Poletti, arcebispo vigário de Roma, nomeio o padre Gabriele Amorth, religioso da Pia Sociedade de São Paulo, exorcista da diocese. Ele colaborará com o padre Cândido Amantini enquanto for necessário.”
O Pe. Amorth gaguejou mas o cardeal foi imperativo: “a Igreja tem desesperada necessidade de exorcistas. O senhor fará bem o trabalho. Não tenha medo”.
Ainda pensando “Quem sou eu para combater o príncipe das trevas?”, o Pe. Amorth entregou a carta com a nomeação do bispo ao Pe. Amantini. Esse pegou um exemplar do Rituale Romanum, do Papa Paulo 5º, e o entregou ao Pe. Amorth.
“Leia as 21 regras que precedem o rito. Decore-as. Sem essas regras, será derrotado”, advertiu.
Os principais sinais de possessão, ensina o livro de 1614, são falar línguas desconhecidas, manifestar fatos ocultos e demonstrar força superior à sua condição física.
Certa vez, durante uma sessão, Amorth viu um menino de 11 anos ser segurado por quatro homens robustos. “O rapazinho os fazia voar”, ilustra. Noutra ocasião, um menino de dez anos levantou uma mesa pesada acima da cabeça. “Jamais teria conseguido sozinho”, atesta.
Mas o sintoma mais grave é a aversão ao sagrado. Caso da pessoa que desmaia quando vai à missa ou espuma de ódio quando vê um padre.
O ritual recomenda que os possuídos sejam exorcizados na igreja ou em outro local religioso, desde que longe das multidões.
Se o possuído estiver doente, pode ser realizado em sua casa. Por medida de segurança, a pessoa que será exorcizada deve ser acomodada numa poltrona, nos casos mais leves, ou numa maca, nos mais graves. Durante o ritual, o exorcista poderá ser ajudado por leigos — poucos e preparados.
Uns o ajudarão a segurar o possuído. Outros, a rezar o rosário e a invocar a intercessão dos santos. Nenhum deles, porém, deve dirigir a palavra ao endemoniado.
O exorcista, prossegue o breviário em latim, não deve se perder em demasiadas palavras ou fazer perguntas desnecessárias. Mais do que um diálogo, o exorcismo é um interrogatório.
“Qual é o teu nome?”, “estás sozinho?” e “quando sairás?” são algumas das perguntas a serem feitas. O objetivo do exorcismo é obrigar o endemoniado a revelar seu nome — Satanás, Lúcifer, Asmodeu...
“Para ele, dizer o nome representa uma grande derrota”, explica Amorth. E, principalmente, ordenar ao demônio, em nome de Jesus, que liberte o possuído.
Padre Cândido Amantini e Padre Gabriele Amorth, exorcistas oficiais da diocese de Roma |
“Não tenho tempo”, avisou. “Mandarei o Amorth”. “Está certo de que estou pronto?”, perguntou.
“Ninguém nunca está. Mas, você está suficientemente preparado. Toda batalha tem seus riscos. Tem de enfrentá-los um por um”, orientou.
O exorcismo foi realizado na Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma. Logo ao chegar, uma surpresa: além do padre e do camponês, uma terceira pessoa.
“Quem é o senhor?”, perguntou Amorth. “O tradutor”, respondeu o homem. “O tradutor?”, repetiu, atônito.
Padre Maximiliano se apressou em explicar: “Quando entra em transe, só fala inglês”. E foi na língua de Shakespeare que o lavrador italiano começou a gritar as primeiras blasfêmias. Não foi a única vez. Noutra ocasião, uma mulher analfabeta proferiu ofensas num idioma que Amorth desconhecia.
“Tive de fazer com que vários sacerdotes participassem dos exorcismos. Até que um deles desvendou o enigma: era aramaico.”
Amorth dedica o segundo capítulo de “O Último Exorcista” ao seu primeiro exorcismo. “Em Minha Primeira Vez Contra Satanás”, descreve o episódio que classifica como aterrorizante.
A certa altura, os olhos do rapaz viraram para dentro e sua cabeça pendeu sobre as costas da cadeira. Pouco depois, a temperatura no aposento caiu horrores e Amorth passou a sentir um frio glacial.
Mais adiante, o possuído começou a levitar. “Meio metro acima da cadeira”, observa Amorth. “Aí, permaneceu imóvel, suspenso no ar por vários minutos.”
A primeira batalha de Amorth chegou ao fim cinco meses após iniciada, ou seja, no dia 21 de junho de 1987, às 15h. Foram necessárias 20 sessões, uma por semana.
“Libertar um possuído em tão poucas sessões é um milagre”, admite. O exorcismo mais curto de seu ministério durou inacreditáveis dez minutos. O mais longo? Quase 30 anos! “Já fico satisfeito quando um caso se resolve em quatro ou cinco anos”, dizia.
'Nunca encontrei um diabo ateu'
Um exorcismo nunca é igual ao outro. Às vezes, o possesso salta de uma parede para outra como se fosse um macaco ou rasteja pelo chão como uma serpente. Outras vezes, o endemoniado ruge como um leão, uiva como um lobo ou mia como um gatinho.
Houve uma ocasião em que Sabrina, como se fosse a coisa mais natural do mundo, começou a caminhar pela parede, subindo rumo ao teto.
Volta e meia, Amorth ganhava um presentinho: um empurrão aqui, um soco ali, uma mordida acolá...
“Certa vez, um chute que não me pareceu tão forte me deixou com a perna engessada quarenta dias”, relata.
Cusparadas? Nem se lembra mais quantas levou. Quando exorcizou uma religiosa italiana chamada Gisella, viu ela cuspir objetos de ferro, como pregos, parafusos e tesouras. Sim, padres, freiras e religiosos não estão imunes à possessão.
“Amorth saiu de algumas batalhas com hematomas pelo corpo. É impressionante como o diabo empresta força extraordinária a seres fisicamente fracos. Felizmente, alguns dos fenômenos que ele testemunhou ao longo de seu ministério são bastante raros. Como foram raros também os casos em que Amorth conseguiu libertar o possesso com uma única sessão. Apenas dois em mais de 60 mil!”, revela Tosatti.
Certa ocasião, um padre dos EUA chamado Andrew perguntou a Amorth se ele tinha medo de Satanás.
“Não sou eu que tem medo dele. Ele é que deve ter medo de mim. De mim e de todos que vivem em Jesus Cristo”, respondeu Amorth.
O bom humor era um de seus traços marcantes. Quando alguém lhe dizia que “acreditava em Deus, mas não era praticante”, fingia concordar: “Ah, sim! Os diabos também... Creem em Deus, mas não são praticantes. Aliás, nunca encontrei um diabo ateu”, disparava, sarcástico como sempre.
'Satanás não dorme nunca'
Em 1991, Gabriele Amorth teve a ideia de fundar uma associação de exorcistas.
E, na condição de exorcista da diocese de Roma, quis comunicar sua decisão a um determinado cardeal, que ele preferiu não divulgar o nome.
“Nós dois sabemos que Satanás não existe, não é verdade?”, observou Sua Eminência, com uma piscadela marota.
“O que quer dizer com 'sabemos que não existe?”, perguntou Amorth.
“O senhor sabe melhor do que eu que tudo isso é uma superstição”, continuou o cardeal. “Não quer me fazer acreditar que crê nessas coisas, não é?”.
“Bem, o senhor deveria ler um livro que talvez possa ajudá-lo”, sugeriu o padre. “Ah, sim? Qual livro, padre Amorth?”, perguntou o cardeal.
“O Evangelho!”, respondeu, para o espanto do cardeal. “É o Evangelho que nos diz que Jesus expulsa os demônios. Então, o Evangelho também é uma superstição?”.
“Os bispos que não nomeiam exorcistas, apesar da necessidade de suas dioceses, estão em pecado mortal”, afirma Amorth.
“A Igreja Católica dorme. Mas deveria saber que Satanás não dorme nunca. Está sempre acordado, preparado para atacar”.
A Associação Internacional dos Exorcistas (AIE) foi reconhecida pela Igreja Católica no dia 13 de junho de 2014.
Hoje, fazem parte dela cerca de 500 exorcistas. O Monsenhor Rubens Miraglia Zani, da Paróquia Nossa Senhora do Líbano, em Bauru (SP), é um dos 20 brasileiros.
Nomeado exorcista em 2013, conheceu o Padre Amorth um ano antes, durante o curso de formação para exorcistas, promovido pelo Ateneu Pontifício Regina Apostolorum, em Roma.
“Era uma pessoa culta, alegre e inteligente”, descreve. “Seu senso de humor era agudo, mas não ferino.”
“O maior equívoco é pensar no exorcismo como um ritual de magia: basta que se recite mecanicamente o rito, uma única vez e o demônio é obrigado a ir embora, não importando a fé e a colaboração do possesso, nem a fé e a santidade do exorcista”, pondera Zani, delegado coordenador da Secretaria de Língua Portuguesa da AIE.
“O primeiro exorcista de uma pessoa é a própria pessoa que será exorcizada. Se ela não colabora, rezando o terço, meditando a Palavra de Deus e participando da missa, sua situação se arrasta e o exorcista pouco pode fazer.”
'A grande inimiga de Satanás'
O Beato Palau está na origem do retorno à prática do exorcismo |
Mas houve um tempo em que chegou a praticar de dez a quinze.
Por essa razão, gravou um recado em sua secretária eletrônica, reduzindo os pedidos de exorcismo a uma hora semanal: “Telefonemas para agendamento são aceitos apenas às segundas-feiras, das 18h30 às 19h30. Quem não pertence à diocese de Roma, por favor, dirija-se ao seu bispo.”
Em abril de 2016, Amorth ouviu o recado de William Friedkin. O diretor de “O Exorcista”, clássico do gênero adaptado do romance de William Peter Blatty (1928-2017), solicitava autorização para registrar um exorcismo.
“Sou grato a 'O Exorcista'“, disse Amorth em “Investigação sobre o Demônio”. “Embora um tanto sensacionalista, com cenas irreais, é substancialmente exato. Atingiu um público vastíssimo e divulgou a figura do exorcista.”
Autor do livro que deu origem ao filme e do roteiro que ganhou o Oscar, Blatty inspirou-se na história real de um menino de 14 anos que sofreu uma possessão e foi exorcizado por um padre jesuíta chamado William Bowden. O caso aconteceu em 1949 na cidade de Cottage City, no Estado de Maryland.
Gabriele Amorth pediu a Friedkin alguns dias para pensar. Por fim, autorizou a filmagem.
Mas impôs três condições ao cineasta: ele deveria ir sozinho, levar uma única câmera de vídeo e não interferir no ritual. O resultado do exorcismo de Cristina, uma arquiteta italiana de 46 anos, realizado no dia 1º de maio de 2016, quatro meses antes da morte de Amorth, pode ser conferido em “O Diabo e o Padre Amorth”, disponível na Netflix.
Sabrina, Gisella, Cristina... A cada dez exorcismos que Amorth fazia, nove eram de mulheres. Devoto de Nossa Senhora de Fátima, ele nunca soube explicar bem o motivo. Mas, tinha lá seu palpite: o demônio queria se vingar de Maria.
“Por que te assusta mais quando invoco a Nossa Senhora do que quando invoco a Jesus?”, perguntou Amorth, durante uma sessão, em diálogo descrito no livro Novos Relatos de Um Exorcista (Palavra e Prece, 2011).
“Por que me humilha mais ser derrotado por uma criatura humana do que por Ele”, respondeu Satanás.
Que alegria recordar o Pe. Gabriele Amorth! Ele foi o maior exorcista dos nossos tempos! E tem o mérito de ter feito a Igreja redescobrir o exorcismo como ministério ordenado pelo próprio Jesus Cristo, que ordenou aos seus discípulos que expulsassem os demônios!
ResponderExcluirOs bispos precisam tomar consciência da sua grave responsabilidade de nomear exorcistas. O sofrimento das pessoas possessas ou atribuladas pelo demônio é muito sério e grande.
ResponderExcluirA Igreja poderia rever as exigências para ser atendido por um exorcista, pois essas exigências são variadas e muito numerosas. Sobretudo a exigência de comprovar saúde física e mental, é onerosa para pessoas pobres. Imagina um pobre ter de pagar um médico ou vários para comprovar que tem boa saúde. Impossível!
ResponderExcluirNo mais, a exigência de assistir a missa todos os dias também é difícil, pois nem todos moram perto de uma igreja; ou a missa não é celebrada com decoro litúrgico...
A todos os padres, devia ser permitido fazer exorcismo!
ResponderExcluirOs padres deviam fazer exorcismo ao simples pedido dos fieis!
Não estou falando do Pe. Gabriele Amorth, mas os exorcistas em geral precisam ser mais acessíveis aos fieis em geral. Os exorcistas gostam de mandar os fieis rezarem o terço e irem a missa todos os dias. O terço e a missa são coisas boas, mas não é disso que alguém atribulado pelo Maligno precisa. A pessoa atribulada pelo Maligno precisa de exorcismo e não de missa e terço. Se o exorcismo não fosse necessário, Jesus não teria dado o mandato de exorcizar. O exorcismo é necessário.
ResponderExcluirÉ interessante notar que os possessos não conseguem praticar as devoções marianas.
ResponderExcluir"Ora, das experiências feitas resulta exatamente isto: quase nenhuma outra coisa provoca tanto tormento a Satanás quanto a invocação do nome de Maria. Ordinariamente [nda: durante o fenômeno da possessão, as pessoas] não conseguem sequer pronunciar livremente o seu nome, por mais que se esforcem. Depois, há devoções marianas que os demônios não suportam, já que os possessos só a muitíssimo custo as podem praticar. Entre elas, está a Ave-Maria, o tributo diário de São Boaventura e o Rosário." Francesco Bamonte, A Virgem Maria e o Diabo nos exorcismos, Paulinas Editora, p. 32.