domingo, 30 de outubro de 2016

Lutero pensa que é divino

O sono da razão e da Fé em Lutero e em seus seguidores produziu monstros. Francisco Goya, (1746-1828). Museu do Prado, Madri.
O sono da razão e da Fé em Lutero e em sequazes produziu monstros.
Francisco Goya, (1746-1828). Museu do Prado, Madri.




continuação do post anterior: Lutero não e não



Não compreendo como homens de Igreja contemporâneos, inclusive dos mais cultos, doutos ou ilustres, mitifiquem a figura de Lutero, o heresiarca, no empenho de favorecer uma aproximação ecumênica, de imediato com o protestantismo, e indiretamente com todas as religiões, escolas filosóficas etc.

Não discernem eles o perigo que a todos nos espreita, no fim deste caminho, ou seja, a formação, em escala mundial, de um sinistro supermercado de religiões filosofias e sistemas de todas as ordens, em que a verdade e o erro se apresentarão fracionados, misturados e postos em balbúrdia?

Ausente do mundo só estaria – se até lá se pudesse chegar – a verdade total; isto é, a fé católica apostólica romana, sem nódoa nem jaça.

Sobre Lutero – a quem caberia, sob certo aspecto, o papel de ponto de partida nessa caminhada para a balbúrdia total – publico hoje mais alguns tópicos que bem mostram o odor que sua figura revoltada espargiria nesse supermercado ou melhor, nesse necrotério de religiões, de filosofias, e do próprio pensamento humano.

Segundo em anterior artigo prometi, tiro os da magnífica obra do padre Leonel Franca S.J., “A Igreja, a Reforma e a Civilização” (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 3ª ed., 1934, 558 pp.).

Elemento absolutamente característico do ensinamento de Lutero é a doutrina da justificação independente das obras.

Em termos mais chãos, que os méritos superabundantes de Nosso Senhor Jesus Cristo só por si asseguram ao homem a salvação eterna.

De sorte que se pode levar nesta terra uma vida de pecado, sem remorsos de consciência, nem temor da justiça de Deus.



Numa famosa meditação, Lutero defendeu como sendo seu ideal moral,
a vida do porco no lamaçal.
A voz da consciência era, para ele, não a da graça, mas a do demônio!

1. Por isso escreveu a um amigo que o homem vexado pelo demônio, de quando em quando “deve beber com mais abundância, jogar, divertir se e mesmo fazer algum pecado em ódio e acinte ao diabo, para lhe não darmos azo de perturbar a consciência com ninharias (...)

“Todo o decálogo se nos deve apagar dos olhos e da alma, a nós tão perseguidos e molestados pelo diabo” (M. Luther, “Briefe, Sendschreiben und Bedenken”, e, De Wette, Berlim, 1825 1828 cfr. op. cit., pp. 199 200).

2. Neste sentido, escreveu ele também:

“Deus só te obriga a crer e a confessar. Em todas as outras coisas te deixa livre e senhor de fazeres o que quiseres, sem perigo algum de consciência; antes e certo que, de si, Ele não se importa, ainda mesmo se deixasses tua mulher, fugisses do teu senhor e não fosses fiel a vínculo algum.

“E que se lhe dá (a Deus), se fazes ou deixas de fazer semelhantes coisas?” (“Werke”, ed. de Weimar, 12, pp. 131 ss. cfr. op. cit., p. 446).

3. Talvez ainda mais taxativo é este incitamento ao pecado, em carta a Melanchton, de 1° de agosto de 1521:

“Sê pecador, e peca a valer (esto peccator et pecca fortiter), mas com mais firmeza ainda crê e alegra te em Cristo, vencedor do pecado, da morte e do mundo.

Segundo Lutero, o triunfo de suas ideias religiosas trouxe a expansão de todos os vícios.
Segundo Lutero, o triunfo de suas ideias religiosas
trouxe a expansão de todos os vícios.
Detalhe de "O Triunfo da Morte", de Pieter Brugel.
“Durante a vida presente devemos pecar. Basta que pela misericórdia de Deus conheçamos o Cordeiro que tira os pecados do mundo.

“Dele não nos há de separar o pecado, ainda que cometêssemos por, dia mil homicídios e mil adultérios (“Briefe, Sendschreiben und Bedenken” ed. De Wette, 2, p. 37, cfr. op. cit. p. 439).

4. Tão descabelada é esta doutrina, que o próprio Lutero a duras custas nela conseguia acreditar:

“Nenhuma religião há, em toda a terra, que ensine esta doutrina da justificação; eu mesmo, ainda que a ensine publicamente, com grande dificuldade a creio em particular” (“Werke”, ed. de Weimar, 25, p. 330 cfr. op. cit., p. 158).

5. Mas os efeitos devastadores da pregação assim confessadamente insincera de Lutero, ele mesmo os reconhecia:

“O Evangelho hoje em dia encontra aderentes que se persuadem não ser ele senão uma doutrina que serve para encher o ventre e dar larga a todos os caprichos” (“Werke”, ed. de Weimar, 33, p. 2 cfr. op. cit., p. 212).

E Lutero acrescentava, acerca de seus sequazes evangélicos, que “são sete vezes piores que outrora. Depois da pregação da nossa doutrina, os homens entregaram se ao roubo, à mentira, à impostura, à crápula, à embriaguez e a toda espécie de vícios. Expulsamos um demônio (o papado) e vieram sete piores” (“Werke”, ed. de Weimar, 28, p. 763 cfr. op. cit., p.440).

“Depois que compreendemos não serem as boas obras necessárias para a justificação, ficamos muito mais remissos e frios na prática do bem (...)

“E se hoje se pudesse voltar ao antigo estado de coisas, se de novo revivesse a doutrina que afirma a necessidade do bem fazer para ser santo, outra seria a nossa alacridade e prontidão no exercício do bem” (“Werke”, ed. de Weimar, 27, p. 443 cfr. op. cit., p. 441).

6. Todas essas insânias explicam que Lutero chegasse ao frenesi do orgulho satânico, dizendo de si mesmo:

“Este Lutero não vos parece um homem extravagante? Quanto a mim, penso que ele é Deus. Senão, como teriam os seus escritos e o seu nome a potência de transformar mendigos em senhores, asnos em doutores, falsários em santos, lodo em pérolas!” (ed. Wittemberg, 1551, t. 4 p. 378 cfr. op. cit., p. 190).

Fac-símile do artigo "Lutero pensa que é divino". Folha de S.Paulo 10-01-1984.  Acervo Folha
Fac-símile do artigo "Lutero pensa que é divino".
Folha de S.Paulo 10-01-1984.  Acervo Folha
7. Em outros momentos, a opinião que Lutero tinha de si mesmo era muito mais objetiva:

“Sou um homem exposto e implicado na sociedade, na crápula, nos movimentos carnais, na negligência e em outras moléstias, a que se vêm ajuntar as do meu próprio ofício” (“Briefe, Sendschreiben und Bedenken”, ed. De Wette, 1, p. 232 cfr. op. cit., p. 198).

Excomungado em Worms em 1521, Lutero entregou se ao ócio e à moleza. E a 13 de julho escreveu a outro prócer protestante Melanchton:

“Eu aqui me acuo, insensato e endurecido, estabelecido no ócio, oh dor!, rezando pouco e deixando de gemer pela Igreja de Deus, porque nas minhas carnes indômitas ardo em grandes labaredas.

“Em suma, eu que devo ter o fervor do espírito, tenho o fervor da carne, da libidinagem da preguiça, do ócio e da sonolência” (“Briefe, Sendschreiben und Bedenken”, ed. De Wette, 2, p. 22 cfr. op. cit., p. 198).

Num sermão pregado em 1532: “Quanto a mim confesso – e muitos outros poderiam sem dúvida fazer igual confissão – que sou desleixado assim na disciplina como no zelo, sou muito mais negligente agora que sob o papado; ninguém tem agora pelo Evangelho o ardor que se via, outrora” (“Saemtliche Werke”, ed. de Plochman Irmischer, 28(2), p. 353 cfr. op. cit., p. 441).

O que de comum se pode encontrar, pois, entre esta moral, e a da Santa Igreja Católica Apostólica Romana?


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, Folha de S.Paulo, 10-01-1984)


Um comentário:

  1. Lutero ou outro de outra façao navegam nas mesmas águas .
    Jesus sacrificou se na cruz ,certo,mas desse desolada paixão ,fica se com o que os evangélicos defendem :jesus quere o nosso bem ,mas económico .
    Não me surpreende que Lutero defenda o bem estar a todos s níveis .Se assim não fosse ,não se dividiam em seitas onde exploram o sofrimento alheio .Como exemplo mais ofensivo é Edimir ,que se intitula Bispo da iurd.
    Gostei muito deste texto qque vem ao encontro do que conheço sobre estes "sepulcros caiados de branco"
    Admiro o Papa Francisco que se esforça por uma unificação em Jesus.
    Bem haja pelo que tenho recebido .

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