quarta-feira, 9 de junho de 2010

Maximino e o “licor de La Salette”

Maximino contempla Nossa Senhora subindo aos Céus
O Prof. Francisco Castro enviou-nos há tempo um pedido, enquanto dávamos cursos na Europa.

Pedindo sua compreensão pelo atraso na resposta, aqui vai ela.

Do Prof.: Francisco Castro:
PAX!
Li o seu livro sobre as Aparições de Nossa Senhora em La Salette. Antes já havia lido um texto sobre as mesmas e fiquei intrigado com o que escreveram sobre Maximin, um dos videntes.
Seu livro afirma que foram calúnias mas um texto diz que ele quis vender um vinho com o nome Salette.
Afinal ele foi uma pessoa que realmente deu motivos para o difamarem embora tenham aumentado?
Creio que as aparições de La Salette foi uma das únicas em que nossa Senhora se referiu as faltas do clero. Como são atuais a descrição que ela faz dos padres. Parecem escritas hoje. Isso deve ter criado dificuldades e suspeitas. Gostaria de esclarecimentos sobre os videntes.

Att. Prof. Francisco Castro.
++Jesus-Maria

De fato, o caso do vinho ‒ ou, melhor, do licor ‒ de La Salette serviu para uma das acusações mais intensamente divulgadas contra Maximino.

Hoje em dia a crítica histórica não aceita mais essas alegações tendo ficado demonstrado que Maximino, angustiado pela miséria e pela doença, caiu numa arapuca de um comerciante inescrupuloso. A sociedade durou pouco e o comerciante desavergonhado desapareceu. Esta posição encontra-se até nas fontes mais modernizadas, como a Wikipedia.

Entretanto, o caso foi mais complicado, e não queremos ficar apenas em fontes pouco autorizadas.

Casa natal de Maximino
A complicação provém do fato de Maximino não só ter sido logrado pelo comerciante inescrupuloso, mas também pelos padres do Santuário e pelo próprio bispo de Grenoble. Estes professavam uma animadversão visceral em relação aos videntes, malgrado os pastores cumprissem conscienciosamente as obrigações de todo fiel diocesano para com suas autoridades eclesiásticas.

Maximin solicitou autorização deles por escrito. Não recebeu resposta, salvo um recado aprobatório. Como na praxe eclesiástica o silêncio equivale a uma aprovação tácita. Maximino entrou no negócio, porém essas autoridades caíram encima de sua reputação.

Henri Dion, autor de numerosos livros e especialista no caso de La Salette fez, com uma erudição bem superior à nossa, uma cuidadosa reconstituição histórica do fato. Deixo a palavra com ele:

“Os pedidos de ajuda que Maximino enviou aos missionários de La Salette e ao bispo de Grenoble na primavera de 1869 não foram atendidos. Ou, mais bem, as condições que lhe impuseram em troca de alguns subsídios foram duras demais. Ele ficou obrigado a escrever aos Jourdain [N.T.: seus pais adotivos]:
“Os missionários de Nossa Senhora de La Salette, o Pe. Giraud [N.T.: superior desses missionários] o primeiro deles, foram admiráveis em relação a mim e a vós. Eles foram se pôr aos pés de Monsenhor [o bispo diocesano] para lhe suplicar que viesse nos ajudar. Seu coração de bispo foi tão duro e frio quanto o gelo”.
“O encontro, pouco depois, em outubro de 1869, com um certo Alfred Vivier, licorista de Varces, do departamento de Isère, que Maximino não conhecia e que veio lhe propor uma associação, tal vez pareceu para ele algo providencial.

“Não há mais necessidade de demonstrar a ninguém que o episódio do comercio do licor não foi mais que um deplorável incidente. Nele, a candura do pastor foi abusada, num combate muito desigual, pelas manobras desonestas de um verdadeiro falsário, sem que Maximino tivesse se comprometido ou mesmo suspeitado um só momento.

Túmulo de Maximino em Corps
“Porém, antes de se lançar nesta nova iniciativa, Maximino teve o escrúpulo de solicitar, enquanto pedia a mesma coisa a seus pais adotivos, a aprovação do bispo de Grenoble e dos Missionários de La Salette. Ele pediu:

“se ele podia em consciência imitar os Cartuxos, os Trapistas, os Beneditinos e outros religiosos que fabricaram e venderam um licor que leva seu nome... Ele recebeu após vários meses de espera um recado dizendo que Mons. Ginhoulhiac e os Missionários de La Salette deixavam-no perfeitamente livre de emprender o que bem achasse, porém com proibição de comparecer nas instituições diocesanas. Tendo esgotado todos seus recursos, desencorajado, vencendo suas mais vivas repugnâncias, ele se associou com um certo Vivier, habilidoso demais para Maximino e que tirou em três anos de sociedade mais proveito do qu ele do licor salettino”.

“O pobre Maximino passou muita dificuldade para se sair deste penoso negócio, pois o sócio apropriou-se praticamente de todos os lucros antes de desaparecer com o dinheiro que ficava e todo os pertences da empresa. Quando a sociedade foi dissolvida por decisão da justiça, ele não pôde reclamar nenhuma indenização. Ele não tinha recursos para tocar o processo judiciário e ele quis poupar Vivier da prisão.

Malgrado tivessem dado seu consentimento e malgrado as dificuldades evidentes demais de Maximino, os Missionários de La Salette não hesitaram, no início de 1871, em publicar em seus “Anais” um artigo que causou indignação:
“A respeito de um licor, dito de La Salette, e de folhas de propaganda que se espalham por toda parte relativos a ele, nós devemos declarar mais uma vez que a comunidade dos Missionários de Nossa Senhora de La Salette nada tem a ver com a fabricação desse licor, nem com a comercialização que se faz dele”.
“Um outro artigo, do mesmo estilo, apareceu dezoito meses mais tarde nos “Anais de La Salette” de junho de 1872. A despeito de um protesto forte mas muito mesurado de Maximino, o jornal “Le Temps” publicou uma carta recebida “de uma personalidade ainda mais alta que o Rev. Pe. Superior dos Salettinos”:
“Eu deploro tanto como vós o comércio de licor feito com base na montanha de La Salette. É uma especulação miserável que fere profundamente meu coração cristão e todos meus religiosos partilham minha tristeza. Se vós conheceis um meio de corrigir esse abuso sem ferir a liberdade dos outros, que eu respeito sempre ainda quando me faz mal, fazei-o chegar até nós. E a desordem cessará logo. Não há pacto algum, nem público nem segredo entre meus religiosos e os autores de esta iniciativa comercial”.
(...) “É penoso ter que citar estes documentos que desmascaram uma hostilidade e um encarniçamento tanto mais insuportáveis quanto praticados por aqueles que deveriam ser os primeiros em proteger e ajudar a Maximino. Trata-se de testemunhos esmagadores, mas que permitem apreciar a intensidade e a virulência das provações sofridas pelo pastor, mais dolorosas tal vez que a miséria negra que elas trouxeram por acréscimo, porque causadas por uma maldade puramente gratuita.”

Loja instalada nos fundos da casa natal de Maximino

(Fonte: Henri Dion, “Maximin Giraud, Berger de La Salette, ou La fidélite dans l’épreuve”, Éditions Résiac, Montsurs, 1988, 290 p., págs.207-209)



Atualmente, na casa natal de Maximino (foto ao lado) funciona uma destilaria que produz licores, entre os quais o “Salettina”, o “Citronello” italiano e outros, explorando turisticamente o fato de funcionar na casa da pobre família do pastor.

Quando peregrinamos a La Salette em 2008, visitamos o local, mas a casa e a loja estavam fechadas. Conhecedores da cidade apontaram pertencer a um cidadão do qual não faziam precisamente elogios. Na Internet há um site desta loja com propaganda dos licores. Ninguém vê qualquer relação entre o caso do licor de Maximino e essa loja, salvo o comerciante ali instalado com objetivos de propaganda.


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