Fátima, página 2

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs









Continuação de “Fátima: Mensagem de tragédia ou de esperança?”





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Segunda cena

Uma pavorosa catástrofe que deixa o mundo meio em ruínas,

e em cujo proscênio se desencadeia uma perseguição religiosa que faz vítimas

em todas as categorias sociais, inclusive e maximamente um Papa


E vimos n’uma luz emensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n’um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre».

“Varios outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca;

“o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho;

“chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios tiros e setas,

“e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições
.




Comentário

Uma cena que não seria exagerado qualificar de apocalíptica


O mundo aparece agora semidestruído (“uma grande cidade meio em ruínas”). É forçoso concluir que a intervenção de Nossa Senhora impediu uma destruição total, porém não uma destruição parcial.

Os homens obviamente não fizeram a penitência necessária: o castigo desencadeou-se.

Personagem central dessa cena é o Santo Padre que, com “vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas”, vai subindo “uma escabrosa [pedregosa, íngreme] montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos”.

Porém, antes de aí chegar, o Papa atravessa “uma grande cidade meio em ruínas, e meio trêmulo, com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho”. A cena é, pois, de uma catástrofe espantosa.

Não seria exagerado qualificá-la de apocalíptica, como apocalíptico é o Anjo que a desencadeou (ressalvado sempre que não se trata do fim do mundo).

O que terá ocorrido?

Segundo o Comentário teológico do Cardeal Ratzinger, “tal como os lugares da terra aparecem sinteticamente representados nas duas imagens da montanha e da cidade e estão orientados para a cruz, assim também os tempos são apresentados de forma contraída: na visão, podemos reconhecer o século vinte como século dos mártires, como século dos sofrimentos e perseguições à Igreja, como o século das guerras mundiais e de muitas guerras locais” (A Mensagem de Fátima, pp. 40-41).

Em outras palavras, aquilo que a visão apresenta como uma cena única, é, na realidade, uma superposição de cenas análogas de perseguições à Igreja e destruições (guerras) que se escalonam ao longo do século, e que, infelizmente, estão longe de haver terminado.

Basta ter em mente as perseguições a católicos que ocorrem nos próprios dias de hoje, em diversas partes do mundo, e os numerosos conflitos ainda existentes entre povos e nações.

Essa mesma superposição de cenas, o Cardeal Ratzinger distingue na árdua subida da montanha, onde “podemos sem dúvida ver figurados conjuntamente diversos Papas, começando de Pio X até ao Papa atual, que partilharam os sofrimentos deste século e se esforçaram por avançar, no meio deles, pelo caminho que leva à cruz. Na visão, também o Papa é morto na estrada dos mártires».

E acrescenta: “Não era razoável que o Santo Padre, quando, depois do atentado de 13 de maio de 1981, mandou trazer o texto da terceira parte do ‘segredo’, tivesse lá identificado o seu próprio destino?” (A Mensagem de Fátima, p. 41).

Se bem que tal correlação do terceiro Segredo com o atentado a João Paulo II não tenha alcançado unanimidade nos meios católicos, ela não pode deixar de ser mencionada reverentemente aqui.

Alguns, sem excluir essa hipótese de que o atentado esteja no contexto das perseguições à Igreja simbolizadas pela visão preferem ver na imagem do “Bispo vestido de branco” mais um símbolo dos diversos Papas, do que de uma pessoa em particular, como declarou, por exemplo, o Bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva (cfr. Corriere della Sera, 27-6-2000).

O que, aliás, é opinião compartilhada pelo próprio Cardeal Ratzinger, no trecho citado imediatamente acima.

De qualquer modo, a longa série de martírios descritos no terceiro Segredo — que alcança também “pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de várias classes e posições” — prossegue em nossos dias, e não se pode excluir que o ódio dos inimigos da Fé chegue a perpetrar novos atentados de igual ou ainda maior magnitude [escrevêramos isso em setembro de 2000; um ano depois...].

Quais são os agentes humanos desses atentados e destruições, representados na visão pelo “grupo de soldados” que “dispararam vários tiros e setas” contra o Santo Padre e os que o seguem, matando-os uns após outros?

Segundo indicação da Irmã Lúcia em carta dirigida a João Paulo II em 12 de maio de 1982, a terceira parte do Segredo deve ser interpretada à luz da segunda parte, e mais especificamente das palavras:

“Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas”.

E ela mesma comenta: “Porque não temos atendido a este apelo da Mensagem, verificamos que ela se tem cumprido, a Rússia foi invadindo o mundo com seus erros.

“E se não vemos ainda, como fato consumado, o final desta profecia, vemos que para aí caminhamos a passos largos”
(cfr. A Mensagem de Fátima, pp. 8-9).

Ao referir-se pela primeira vez ao texto do terceiro Segredo, no dia 13 de maio de 2000, o Cardeal Ângelo Sodano generaliza o agente humano dessas perseguições para todos os sistemas ateus do século XX (cfr. A Mensagem de Fátima, p. 29).

E o faz com fundamento, pois quer o socialismo, quer o nazismo são velada ou claramente caudatários dos erros do comunismo, ainda quando se apresentem como opostos a ele. E, aliás, se projetam, mais ou menos metamorfoseados, século XXI adentro.

Assim, é todo o mundo secularizado e amoral de nossos dias basta pensar no aborto, no amor livre, na união civil entre homossexuais, que se pretende legalizar por toda parte, nas investidas contra o direito de propriedade, no igualitarismo mais radical que recusa até as desigualdades sociais justas, proporcionadas e harmônicas — é todo esse mundo que está de pé, em revolta contra Deus e a Santa Igreja.

Cabe, por fim, perguntar qual é o fruto desses holocaustos passados, presentes e futuros. A terceira cena da visão nô-lo indica.






Terceira cena


O Grande Retorno da humanidade a Deus



Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n’êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus.

Tuy-3-1-1944»



Comentário

Uma visão, “tão angustiante ao início, termina numa imagem de esperança”



A profecia de Fátima só pode ter um ponto final quando a humanidade prevaricadora se reaproximar de Deus.

Mas para que essa volta se torne possível, é indispensável que seja regada por graças especialíssimas, simbolizadas pelo sangue dos Mártires que os Anjos derramam sobre as almas que estavam longe de Deus (se se “aproximavam” é porque estavam longe) e para Ele retornam.

A terra assim purificada e renovada pelo sangue de Mártires autênticos corresponde à noção de Reino de Maria, do qual falou São Luís Maria Grignion de Montfort em seu célebre Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem:

“Tempo feliz em que Maria será estabelecida Senhora e Soberana nos corações, para submetê-los plenamente ao império de seu grande e único Jesus .... Ut adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariae” (nº 217).

Noção essa que se compagina admiravelmente com as também célebres palavras que estão no fecho da segunda parte do Segredo de Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará».

Ou esse triunfo se dá sobretudo nos corações dos homens — como ressalta São Luís de Montfort — ou todo o enredo da terceira parte do Segredo fica completamente destituído de sentido. Pois só com o retorno estável da humanidade a Deus — algo que se poderia chamar de um Grande Retorno (Grand Retour em francês, noção que tira sua inspiração de um movimento espiritual na França que tinha como meta promover o Grand Retour das almas a Jesus por Maria) — só com isso será possível que o mundo alcance efetivamente “algum tempo de paz”, conforme Nossa Senhora prometeu (cfr. texto do segundo Segredo).

Assim, pois, uma visão “tão angustiante ao início, termina numa imagem de esperança” (cfr. Cardeal Ratzinger, A Mensagem de Fátima, p. 42).

Por isso, concluímos estes comentários sobre o terceiro Segredo com um cântico de alegria:

“Haec est dies quam fecit Dominus: exsultemus et laetemur in ea. — Castigans castigavit me Dominus et morti non tradidit me”. “Este é o dia que fez o Senhor: exultemos e rejubilemo-nos nesse dia. — Castigando, castigou-me o Senhor, porém não me entregou à morte” (Salmo 117, 24 e 18).

Assim as três partes do Segredo hoje conhecidas podem ser vistas como um todo único que tem como centro a glória de Deus, a exaltação da Santa Madre Igreja e o bem das almas neste e no outro mundo, como resultado de uma intercessão poderosíssima do Coração Imaculado de Maria junto ao Coração de seu Divino Filho, Jesus.


Final da terceira aparição



Passados instantes da visão que constitui a terceira parte do Segredo, Nossa Senhora diz:

“Quando rezais o terço, dizei depois de cada mistério: Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem” (6).

6. Circulam formulações um tanto diversas desta jaculatória. Pequenas variantes aparecem até mesmo nos manuscritos e entrevistas da Irmã Lúcia. A formulação que registramos encontra-se na IV Memória, pp. 340 e 342, e foi confirmada pela vidente na entrevista a Walsh (p. 197). Na III Memória, p. 220, em vez de “aquelas”, aparece “as”; o mesmo ela consigna em carta ao Pe. José Bernardo Gonçalves SJ (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 442). Na resposta ao interrogatório do Dr. Goulven, entretanto, a frase final tem a seguinte redação: “e socorrei principalmente as que mais precisarem” (cfr. Sebastião Martins dos Reis, A Vidente de Fátima dialoga e responde pelas Aparições, p. 39). Como se vê, esta última formulação é a que mais se afasta das outras; mas é também aquela em que a vidente menos insiste, constando de apenas um documento. Aliás não se sabe se o Cônego Sebastião Martins dos Reis, que o publicou, transcreveu-o diretamente do manuscrito ou de uma cópia datilografada; nesta última hipótese, seria interessante confrontar o manuscrito e a cópia datilografada do citado interrogatório, para se constatar se não houve algum erro de transcrição.

O certo é que os videntes, ao rezarem a jaculatória entendiam-na aplicada às almas que se encontram em maior perigo de condenação, e não às almas do Purgatório. Afirma-o expressamente a Irmã Lúcia em carta de 18 de maio de 1941, ao Pe. Gonçalves: “Traduziram-na [a jaculatória] fazendo a última súplica pelas almas do Purgatório, porque diziam não entender o sentido das últimas palavras; mas eu creio que Nossa Senhora se referia às almas que se encontram em maior perigo de condenação. Foi esta a impressão que me ficou, e talvez a V. Revcia. lhe pareça o mesmo depois de ter lido a parte que escrevi do Segredo, e sabendo que nô-la ensinou a seguir, na 3ª [aparição, em] julho” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 442). Por isso, a fórmula “Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, aliviai as almas do Purgatório, especialmente as mais abandonadas” é certamente incorreta.

O emprego do diminutivo “alminhas” é um provincianismo português, razão pela qual se costuma recitar a jaculatória usando essa palavra na forma normal.


Lúcia: “Vossemecê não me quer mais nada?”

Nossa Senhora: “Não, hoje não te quero mais nada”.

E como de costume, começou a elevar-Se em direção ao nascente, até desaparecer na imensa distância do firmamento”.


Ouviu-se então uma espécie de trovão indicando que a aparição cessara (7).


7. Assaltados, após esta aparição, por perguntas sobre o que Nossa Senhora teria dito, os videntes anunciaram que se tratava de segredo. — “Bom ou mau?”, insistiram os interlocutores. — “Bom para uns, mau para outros”, responderam as crianças (cfr. De Marchi, p. 94; Walsh, ed. em inglês, p. 84: a ed. em português omitiu este diálogo).

Antes da última aparição, interrogados Francisco e Jacinta pelo Cônego Dr. Manuel Nunes Formigão, sobre se “o povo ficava triste se soubesse o segredo”, responderam: — “Ficava” (cfr. De Marchi, pp. 151-152; Walsh, p. 121).

 (Cfr. II Memória, p. 138; III Memória, pp. 218 e 220; IV Memória, pp. 336 a 342; De Marchi, pp. 90-93; Walsh, pp. 75-77; Ayres da Fonseca, pp. 41-46; Galamba de Oliveira, pp. 72-78 e 146-147).






Quarta aparição: 19 de agosto de 1917



No dia 13 de agosto, em que deveria dar-se a quarta aparição, os videntes não puderam comparecer à Cova da Iria, pois foram raptados pelo Administrador de Ourém, que à força quis arrancar-lhes o segredo. As crianças permaneceram firmes.

Na hora costumeira, na Cova da Iria, ouviu-se um trovão, ao qual se seguiu o relâmpago, tendo os espectadores notado uma pequena nuvem branca que pairou alguns minutos sobre a azinheira. Observaram-se também fenômenos de coloração, de diversas cores, do rosto das pessoas, das roupas, das árvores, do chão. Nossa Senhora certamente tinha vindo, mas não encontrara os videntes.

Entretanto, voltou alguns dias depois. No dia 19 de agosto (8), Lúcia estava com Francisco e mais um primo no local chamado Valinhos, propriedade de um de seus tios, quando, pelas 4 horas da tarde, começaram a se produzir as alterações atmosféricas que precediam as aparições de Nossa Senhora na Cova da Iria: um súbito refrescar da temperatura e um desmaiar do sol. Lúcia, sentindo que alguma coisa de sobrenatural se aproximava e os envolvia, mandou chamar às pressas Jacinta, a qual chegou em tempo para ver Nossa Senhora queanunciada, como das outras vezes, por um reflexo de luzaparecera sobre uma azinheira, ou carrasqueira, um pouco maior que a da Cova da Iria.


8. Há alguma dúvida sobre esta data. A própria Irmã Lúcia não se lembra ao certo: na II e na IV Memórias diz que foi no dia 15; mas na resposta ao Dr. Goulven opta pelo dia 19, escrevendo à margem: “É ao que eu mais me inclino, porque para ser no dia 15, teríamos estado só um dia inteiro na prisão; e recordo que estivemos mais” (Sebastião Martins dos Reis, A Vidente de Fátima dialoga e responde pelas Aparições, p. 43).

No inquérito canônico do dia 8 de julho de 1924, Lúcia faz um relato circunstanciado, dia por dia, de sua prisão (juntamente com os outros videntes), e diz que os três voltaram de Ourém no dia 16. No entanto, os editores da Documentação Crítica de Fátima afirmam que Lúcia se equivoca, e que foi no dia 15 que regressaram a Fátima (cfr. vol. I, pp. 296, 370 e 380-381).

Ora, tanto em suas Memórias (II e IV), como no inquérito canônico, Lúcia afirma peremptoriamente que a aparição dos Valinhos ocorreu no mesmo dia de sua volta de Vila Nova de Ourém, a qual, portanto, ter-se-ia dado no dia 15.

Por outro lado, como as crianças foram raptadas no dia 13, a ter-se dado a aparição no dia 19, elas teriam ficado presas seis dias, o que também parece excessivo. Por isso, Galamba de Oliveira (p. 83) opta pelo dia 15, ponderando que pode ter havido um erro de contagem de uma noite e um dia, na narrativa feita por Lúcia perante a comissão canônica, em 1924.

Não obstante, a maioria dos autores dá como certa a data de 19 de agosto, correspondente ao domingo subseqüente, pois a vidente se recorda de que a aparição se deu num dia de preceito (também o dia 15, Assunção de Nossa Senhora, era dia de preceito...).


Lúcia: “Que é que Vossemecê me quer?”

Nossa Senhora: “Quero que continueis a ir à Cova da Iria no dia 13 e que continueis a rezar o terço todos os dias. No último mês farei o milagre para que todos acreditem” (9).

9. Neste ponto, De Marchi acrescenta às palavras de Nossa Senhora: “Se não vos tivessem levado à aldeia (termo corrente na região para designar Vila Nova de Ourém, outrora aldeia), o milagre seria mais grandioso”.

O Cônego Formigão, no seu interrogatório de 2 de novembro de 1917, anotou uma frase de sentido diverso: “Se não tivessem sido presas não seria o milagre tão conhecido”. O que justifica o comentário da Documentação Crítica de Fátima: “A prisão das crianças, com a intervenção da autoridade administrativa, criou uma maior expectativa em relação ao anunciado milagre de 13 de outubro” (op. cit., vol. I, p. 18).

Nenhuma das duas versões aparece nas Memórias da Irmã Lúcia.

Lúcia: “Que é que Vossemecê quer que se faça do dinheiro que o povo deixa na Cova da Iria?”

Nossa Senhora: “Façam dois andores; um leva-o tu com a Jacinta e mais duas meninas vestidas de branco, o outro, que o leve o Francisco com mais três meninos. O dinheiro dos andores é para a festa de Nossa Senhora do Rosário, e o que sobrar é para a ajuda de uma capela que hão de mandar fazer” (10).

10. Pelo relatório que Lúcia fez desta aparição ao Prior da freguesia de Fátima no dia 21 de agosto de 1917, confirmado pelas respostas ao inquérito canônico do dia 8 de julho de 1924, esta última frase não teria sido dita na quarta, mas na quinta aparição, onde De Marchi a coloca (cfr. De Marchi, p. 127).

Lúcia: “Queria pedir-Lhe a cura de alguns doentes”.

Nossa Senhora: “Sim, alguns curarei durante o ano”. E tomando um aspecto mais triste, recomendou-lhes de novo a prática da mortificação, dizendo, no fim de tudo: “Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas”.

E, como de costume, começou a elevar-Se em direção ao nascente”.


Os videntes cortaram ramos da árvore sobre a qual Nossa Senhora lhes tinha aparecido, e levaram-nos para casa. Os ramos exalavam um perfume singularmente suave.

(Cfr. II Memória, p. 150; IV Memória, pp. 342 e 344; De Marchi, pp. 127-129; Walsh, pp. 109-110; Ayres da Fonseca, pp. 61-62; Galamba de Oliveira, p. 89).






Quinta aparição: 13 de setembro de 1917



Como das outras vezes, uma série de fenômenos atmosféricos foram observados pelos circunstantes, cujo número foi calculado entre 15 a 20 mil pessoas, ou talvez mais: o súbito refrescar da atmosfera, o empalidecer do sol até ao ponto de se verem as estrelas, uma espécie de chuva como que de pétalas irisadas ou flocos de neve, que desapareciam antes de pousarem na terra.

Em particular foi notado, desta vez, um globo luminoso que se movia lenta e majestosamente pelo céu, do nascente para o poente, e, no final da aparição, em sentido contrário.

Os videntes notaram, como de costume, o reflexo de uma luz e, a seguir, Nossa Senhora sobre a azinheira:

Nossa Senhora: “Continuem a rezar o terço para alcançarem o fim da guerra. Em outubro virá também Nosso Senhor, Nossa Senhora das Dores e do Carmo, São José com o Menino Jesus, para abençoarem o mundo. Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda, trazei-a só durante o dia” (11).

11. As crianças tinham passado a usar como cilício um pedaço de corda grossa, que não tiravam nem para dormir. Isto lhes impedia muitas vezes o sono, e passavam noites inteiras em claro. Daí o elogio e a recomendação de Nossa Senhora.

Lúcia: “Têm-me pedido para Lhe pedir muitas coisas: cura de alguns doentes, de um surdo-mudo”.

Nossa Senhora: “Sim, alguns curarei, outros não (12). Em outubro farei um milagre para que todos acreditem” (13).

12. De Marchi continua a frase de Nossa Senhora: “porque Nosso Senhor não se fia neles”.

O pároco de Fátima anotou uma frase de sentido idêntico: “porque Nosso Senhor não quer crer neles” (cfr. Documentação Crítica de Fátima, vol. I, p. 22).

Nas respostas ao Dr. Goulven, a Irmã Lúcia diz que não se recorda de ter referido esta frase (cfr. Sebastião Martins dos Reis, A Vidente de Fátima dialoga e responde pelas Aparições, p. 45).

De Marchi coloca, neste ponto, ainda o seguinte pedido de Lúcia a Nossa Senhora: “Há muitos que dizem que eu sou uma intrujona, que merecia ser enforcada ou queimada. Faça um milagre para que todos creiam”.

Nenhuma dessas frases aparece nas Memórias da Irmã Lúcia.

13. De Marchi acrescenta o seguinte diálogo:

Lúcia: “Umas pessoas deram-me duas cartas para Vossemecê e um frasco de água de colônia”.

Nossa Senhora: “Isso de nada serve para o Céu”.

Tal colóquio, com pequenas variantes, também foi anotado pelo Pároco de Fátima (cfr. Documentação Crítica de Fátima, vol. I, p. 22).

Entretanto, em resposta ao interrogatório do Pe. José Pedro da Silva, a Irmã Lúcia diz que não se lembra de ter oferecido “água de cheiro” a Nossa Senhora (cfr. Sebastião Martins dos Reis, A Vidente de Fátima dialoga e responde pelas Aparições, p. 63).

Este colóquio também não aparece nas Memórias da vidente.

“E começando a elevar-Se, desapareceu como de costume”.

(Cfr. II Memória, p. 156; IV Memória, pp. 346 e 348; De Marchi, pp. 138-139; Walsh, pp. 115-116; Ayres da Fonseca, pp. 70-71; Galamba de Oliveira, p. 93).






Sexta e última aparição: 13 de outubro de 1917


Como das outras vezes, os videntes notaram o reflexo de uma luz e, em seguida, Nossa Senhora sobre a carrasqueira:

Lúcia: “Que é que Vossemecê me quer?”

Nossa Senhora: “Quero dizer-te que façam aqui uma capela em minha honra, que sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o terço todos os dias. A guerra vai acabar e os militares voltarão em breve para suas casas”.

Lúcia: “Eu tinha muitas coisas para Lhe pedir. Se curava uns doentes e se convertia uns pecadores...”

Nossa Senhora: “Uns sim, outros não (14). É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados”. E tomando um aspecto triste: “Não ofendam mais a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido” (15).

14. Em carta de 18 de maio de 1941 ao Pe. José Bernardo Gonçalves SJ, a Irmã Lúcia esclarece que, neste ponto, Nossa Senhora disse que concederia algumas dessas graças dentro de um ano, e outras não (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 442).

15. De Marchi conclui esta aparição da seguinte maneira:

Lúcia: “Não quer mais nada de mim”.

Nossa Senhora: “Não quero mais nada”.

Lúcia: “E eu também não quero mais nada”.

Esse pitoresco colóquio não aparece nas Memórias da Irmã Lúcia. Entretanto, o Pároco de Fátima, em seu interrogatório à vidente logo no dia 16 de outubro, anotou as duas primeiras frases deste diálogo, com pequenas variantes (cfr. Documentação Crítica de Fátima, vol. I, p. 24).

Em seguida, abrindo as mãos, Nossa Senhora fê-las refletir no sol, e enquanto Se elevava, continuava o reflexo da sua própria luz a projetar-se no sol.


Lúcia, nesse momento, exclamou: “Olhem para o sol!”


Três quadros simbólicos dos mistérios do Rosário

Desaparecida Nossa Senhora na imensa distância do firmamento, desenrolaram-se aos olhos dos videntes três quadros, sucessivamente, simbolizando primeiro os mistérios gozosos do Rosário, depois os dolorosos e por fim os gloriosos (apenas Lúcia viu os três quadros; Francisco e Jacinta viram apenas o primeiro):

Apareceram, ao lado do sol, São José com o Menino Jesus, e Nossa Senhora do Rosário. Era a Sagrada Família. A Virgem estava vestida de branco, com um manto azul. São José também se vestia de branco e o Menino Jesus de vermelho claro. São José abençoou a multidão, traçando três vezes o sinal da Cruz. O Menino Jesus fez o mesmo.

Seguiu-se a visão de Nossa Senhora das Dores e de Nosso Senhor acabrunhado de dor no caminho do Calvário. Nosso Senhor traçou um sinal da Cruz para abençoar o povo. Nossa Senhora não tinha a espada no peito. Lúcia via apenas a parte superior do Corpo de Nosso Senhor.

Finalmente apareceu, numa visão gloriosa, Nossa Senhora do Carmo, coroada Rainha do Céu e da Terra, com o Menino Jesus ao colo.


O milagre do sol


Enquanto estas cenas se desenrolavam aos olhos dos videntes, a grande multidão de 50 a 70 mil espectadores assistia ao milagre do sol.

O milagre do sol noticiado pela imprensa da época
O milagre do sol noticiado pela imprensa da época
Chovera durante toda a aparição. Ao encerrar-se o colóquio de Lúcia com Nossa Senhora, no momento em que a Santíssima Virgem Se elevava e que Lúcia gritava “Olhem para o sol!”, as nuvens se entreabriram, deixando ver o sol como um imenso disco de prata.


Brilhava com intensidade jamais vista, mas não cegava. Isto durou apenas um instante. A imensa bola começou a “bailar”. Qual gigantesca roda de fogo, o sol girava rapidamente.

Parou por certo tempo, para recomeçar, em seguida, a girar sobre si mesmo, vertiginosamente. Depois seus bordos tornaram-se escarlates e deslizou no céu, como um redemoinho, espargindo chamas vermelhas de fogo.

Essa luz refletia-se no solo, nas árvores, nos arbustos, nas próprias faces das pessoas e nas roupas, tomando tonalidades brilhantes e diferentes cores.

Animado três vezes de um movimento louco, o globo de fogo pareceu tremer, sacudir-se e precipitar-se em ziguezague sobre a multidão aterrorizada.

Durou tudo uns dez minutos. Finalmente o sol voltou em ziguezague para o ponto de onde se tinha precipitado, ficando novamente tranqüilo e brilhante, com o mesmo fulgor de todos os dias.

O milagre do sol noticiado pela imprensa da época
O milagre do sol noticiado pela imprensa da época
O ciclo das aparições havia terminado.

Muitas pessoas notaram que suas roupas, ensopadas pela chuva, tinham secado subitamente.

O milagre do sol foi observado também por numerosas testemunhas situadas fora do local das aparições, até a 40 quilômetros de distância.

(Cfr. II Memória, p. 162; IV Memória, pp. 348 e 350; De Marchi, pp. 165-166; Walsh, pp. 129-131; Ayres da Fonseca, pp. 91-93; Galamba de Oliveira, pp. 95-97).






Capítulo III


Algumas visões particulares




No pouco tempo que passaram na terra depois das aparições, e mesmo no período abrangido por estas, Francisco e Jacinta, mas sobretudo esta última, tiveram isoladamente diversas visões. Relataremos aqui as principais.

Francisco: graças místicas do mais elevado grau

 “O Francisco — diz a Irmã Lúcia — pareceu ser o que menos se impressionou com a vista do Inferno” (IV Memória, p. 266). O Pe. Joaquín María Alonso opina que a percepção mística de Francisco era do mais alto grau e, por isso, “a própria visão do inferno não o impressionou tanto, certamente porque contemplou o mistério da Iniqüidade à luz superior da contemplação mística” (Doctrina y espiritualidad del mensaje de Fátima, p. 122). “O que mais o impressionava ou absorvia — comenta a Irmã Lúcia — era Deus, a Santíssima Trindade, nessa luz imensa que nos penetrava no mais íntimo da alma” (IV Memória, p. 266).

O que não impediu que, em outras visões de menor porte, tremesse de medo diante da visão do demônio. A Irmã Lúcia assim descreve essa cena:

“Andávamos, um dia, num sítio chamado Pedreira, e, enquanto as ovelhas pastavam, saltávamos de penedo em penedo, fazendo ecoar a voz no fundo desses grandes barrancos. O Francisco, como era seu costume, retirou-se lá para a concavidade de um penedo.

Passado um bom bocado, ouvimo-lo gritar e chamar por nós e por Nossa Senhora. Aflitas pelo que lhe teria acontecido, começamos a procurá-lo, chamando por ele.

— Onde estás?

    Aqui! Aqui!
     
Mas ainda nos levou tempo a encontrá-lo. Por fim, lá demos com ele, a tremer de medo, ainda de joelhos, que, aflito, nem arte tinha tido para se pôr de pé.

— Que tens?! Que foi?!

Com a voz meio sufocada pelo susto, lá disse: ‘Era um daqueles bichos grandes, que estavam no Inferno, que estava aqui a deitar lume [pôr fogo]’” (IV Memória, pp. 288, 290).

“Que luz tão bonita, ali, junto da nossa janela”

Francisco, o que mais queria era consolar a Nosso Senhor ofendido pelos pecados dos homens. Assim, nas vésperas de morrer, disse à Lúcia:

“— Olha! Estou muito mal; já me falta pouco para ir para o Céu.

— Então vê lá: não te esqueças de lá pedir muito pelos pecadores, pelo Santo Padre, por mim e pela Jacinta.

— Sim, eu peço; mas olha: essas coisas pede-as antes à Jacinta, que eu tenho medo de me esquecer quando vir a Nosso Senhor! E, depois, antes O quero consolar” (IV Memória, p. 304).

Por isso certamente foi premiado com uma visão celeste pouco antes de morrer. Narra o Pe. Fernando Leite SJ: “Nesse dia 4 de abril de 1919, a certa altura exclamou:

 — ‘Ó minha mãe, que luz tão bonita, ali, junto da nossa janela!’.

 — E depois de alguns minutos de doce enleio: — ‘Agora já não vejo’ (Inquérito Paroquial de 28 de setembro de 1923)

— Passado pouco tempo, o seu rosto iluminou-se com um sorriso angélico e, pelas 10 horas da manhã, sem agonia, sem uma contração, sem um gemido, expirou docemente” (Francisco de Fátima, p. 154).

É lícito supor que foi o próprio Deus, que é luz infinitamente bela, que assim se manifestou no derradeiro momento ao confidente da Virgem.





Jacinta: profunda compenetração da mensagem de Fátima


Tal como o Francisco, Jacinta se compenetrou profundamente de tudo quanto viu e ouviu durante o ciclo das aparições de 1917 (bem como das aparições do Anjo, no ano anterior), e foi depois favorecida com várias visões particulares de Nossa Senhora ou relativas a aspectos da mensagem de Fátima:

Numa ocasião, aproximadamente ao meio-dia, junto ao poço da casa dos pais de Lúcia, Jacinta perguntou a Lúcia:

— “Não viste o Santo Padre?”

— “Não”.

— “Não sei como foi, eu vi o Santo Padre numa casa muito grande, de joelhos diante de uma mesa, com as mãos no rosto a chorar; fora da casa estava muita gente e uns atiravam-lhe pedras, outros rogavam-lhe pragas e diziam-lhe muitas palavras feias. Coitadinho do Santo Padre, temos que pedir muito por ele!” (cfr. III Memória, p. 228; De Marchi, pp. 98-99; Walsh, p. 85; Ayres da Fonseca, p. 136).

Numa tarde de agosto de 1917, estando os videntes sentados nos rochedos do outeiro do Cabeço, Jacinta pôs-se subitamente a rezar a oração que o Anjo lhes ensinara, e depois de um profundo silêncio disse à prima:

— “Não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente a chorar com fome e não têm nada para comer? E o Santo Padre numa igreja diante do Imaculado Coração de Maria a rezar? E tanta gente a rezar com ele?” (cfr. III Memória, p. 228; De Marchi, p. 99; Walsh, p. 84; Ayres da Fonseca, p. 137).

A Irmã Lúcia acrescenta:

“Passados alguns dias, perguntou-me: posso dizer que vi o Santo Padre e toda aquela gente? — Não. Não vês que isso faz parte do Segredo?! Que por aí logo se descobria? — Está bem; então não digo nada” (III Memória, p. 228).

Um dia, em casa de Jacinta, Lúcia encontrou-a muito pensativa e interrogou-a:

— “Jacinta, que estás a pensar?”

— “Na guerra que há de vir. Há de morrer tanta gente! E vai quase toda para o inferno! Hão de ser arrasadas muitas casas e mortos muitos Padres. Olha, eu vou para o Céu, e tu quanto vires de noite essa luz que aquela Senhora disse que vem antes, foge para lá também” (cfr. III Memória, p. 228; De Marchi, p. 238; Walsh, p. 85; Ayres da Fonseca, pp. 161-162).



Últimas visões de Jacinta


Em fins de outubro de 1918, Francisco e Jacinta adoeceram, quase ao mesmo tempo. Indo visitá-los, Lúcia encontrou Jacinta no auge da alegria. Esta explicou-lhe a causa:

— “Nossa Senhora veio-nos ver, e disse que vem buscar o Francisco muito breve para o Céu. E a mim perguntou-me se queria ainda converter mais pecadores. Disse-lhe que sim.

“Disse-me que ia para um hospital, que lá sofreria muito. Que sofresse pela conversão dos pecadores, em reparação dos pecados contra o Imaculado Coração de Maria, e por amor de Jesus.

“Perguntei se tu ias comigo. Disse que não. Isto é o que me custa mais. Disse que ia minha mãe levar-me, e, depois, fico lá sozinha!”
(cfr. I Memória, p. 70; De Marchi, p. 227; Walsh, p. 146; Ayres da Fonseca, p. 153).

Durante a doença dos dois videntes, Lúcia visitava-os freqüentemente. Conversavam então longamente sobre os acontecimentos de que tinham sido protagonistas. Transcrevemos algumas observações de Jacinta:

— “Já me falta pouco para ir para o Céu. Tu ficas cá para dizeres que Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Quando for para dizeres isso, não te escondas, dize a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Coração Imaculado de Maria, que Lhas peçam a Ela, que o Coração de Jesus quer que, a seu lado, se venere o Coração Imaculado de Maria.

“Que peçam a paz ao Imaculado Coração de Maria, que Deus Lha entregou a Ela. Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro no peito a queimar-me e a fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria!”
(cfr. III Memória, p. 234; De Marchi, p. 244; Walsh, p. 156).

— “Olha, sabes? Nosso Senhor está triste porque Nossa Senhora disse-nos para não O ofenderem mais, que já estava muito ofendido e ninguém fez caso; continuam a fazer os mesmos pecados” (cfr. III Memória, p. 236; De Marchi, p. 243; Walsh, p. 157).

Em fins de dezembro de 1919, Nossa Senhora apareceu novamente à Jacinta, que assim relatou o fato à prima:

— “Disse-me que vou para Lisboa, para outro hospital (16); que não te torno a ver, nem a meus pais; que depois de sofrer muito, morro sozinha; mas que não tenha medo, que me vai lá Ela a buscar para o Céu” (cfr. I Memória, pp. 74 e 76; De Marchi, p. 245; Walsh, p. 157; Ayres da Fonseca, p. 162).

16. Em julho de 1919, Jacinta fora levada para o Hospital de Vila Nova de Ourém, ficando ali dois meses.

“Quem te ensinou tantas coisas?”

Transportada para Lisboa, Jacinta ficou primeiramente num orfanato contíguo à Igreja de Nossa Senhora dos Milagres, sendo depois levada para o Hospital Dona Estefânia. No primeiro destes estabelecimentos foi assistida pela Madre Maria da Purificação Godinho, que tomou nota — embora nem sempre literalmente — de suas últimas palavras.

Reproduzimos abaixo algumas delas, repassadas de tom profético e cheias de unção e ensinamentos, aliás em perfeita consonância com o teor geral da mensagem de Fátima. Por isso são recebidas em geral como autênticas pelos estudiosos de Fátima. De Marchi publica-as agrupadas por assunto.



Sobre a guerra


“Nossa Senhora disse que no mundo há muitas guerras e discórdias.

As guerras não são senão castigos pelos pecados do mundo.

Nossa Senhora já não pode suster o braço do seu amado Filho sobre o mundo.

É preciso fazer penitência. Se a gente se emendar, ainda Nosso Senhor valerá ao mundo; mas, se não se emendar, virá o castigo.

Nosso Senhor está profundamente indignado com os pecados e crimes que se cometem em Portugal.

“Por isto, um terrível cataclismo de ordem social ameaça o nosso País e principalmente a cidade de Lisboa. Desencadear-se-á, segundo parece, uma guerra civil de caráter anarquista ou comunista, acompanhada de saques, morticínios, incêndios e devastações de toda espécie.

A capital converter-se-á numa verdadeira imagem do inferno. Na ocasião em que a Divina Justiça ofendida infligir tão pavoroso castigo, todos aqueles que o puderem fazer fujam dessa cidade.

“Este castigo agora predito convém que seja anunciado pouco a pouco e com a devida discrição”
(cfr. De Marchi, p. 255; Walsh, pp. 160-161).

“Se os homens não se emendarem, Nossa Senhora enviará ao mundo um castigo como não se viu igual, e, antes dos outros países, à Espanha” (De Marchi, p. 92).

Jacinta falava também de “grandes acontecimentos mundiais que se deviam realizar por volta de 1940” (De Marchi, p. 92).

Sobre os sacerdotes e os governantes

“Minha madrinha, peça muito pelos pecadores!

Peça muito pelos Padres!

Peça muito pelos Religiosos!

Os Padres só deviam ocupar-se das coisas da Igreja.

Os Padres devem ser puros, muito puros.

A desobediência dos Padres, e dos Religiosos aos seus Superiores e ao Santo Padre ofende muito a Nosso Senhor.

Minha madrinha, peça muito pelos governos!

Ai dos que perseguem a Religião de Nosso Senhor!

Se o governo deixasse em paz a Igreja e desse a liberdade à Santa Religião, era abençoado por Deus” (De Marchi, pp. 255-256; Walsh, p. 161).

Sobre o pecado

“Os pecados que levam mais almas para o inferno são os pecados da carne.

Hão de vir umas modas que hão de ofender muito a Nosso Senhor.

As pessoas que servem a Deus não devem andar com a moda. A Igreja não tem modas. Nosso Senhor é sempre o mesmo.

Os pecados do mundo são muito grandes.

Se os homens soubessem o que é a eternidade, faziam tudo para mudar de vida.

Os homens perdem-se porque não pensam na morte de Nosso Senhor e não fazem penitência.

Muitos matrimônios não são bons, não agradam a Nosso Senhor e não são de Deus”.

Sobre as virtudes cristãs

“Minha madrinha, não ande no meio do luxo; fuja das riquezas.

Seja muito amiga da santa pobreza e do silêncio.

Tenha muita caridade, mesmo com quem é mau.

Não fale mal de ninguém e fuja de quem diz mal.

Tenha muita paciência, porque a paciência leva-nos para o Céu.

A mortificação e os sacrifícios agradam muito a Nosso Senhor.

A Confissão é um sacramento de misericórdia. Por isso é preciso aproximarem-se do confessionário com confiança e alegria. Sem confissão não há salvação.

A Mãe de Deus quer mais almas virgens, que se liguem a Ela pelo voto de castidade.

Para ser Religiosa é preciso ser muito pura na alma e no corpo”.

— “E sabes tu o que quer dizer ser pura?” — perguntou a Madre Godinho.

— “Sei, sei. Ser pura no corpo é guardar a castidade; e ser pura na alma é não fazer pecados; não olhar para o que não se deve ver, não roubar, não mentir nunca, dizer sempre a verdade ainda que nos custe...”

“Quem não cumpre as promessas que faz a Nossa Senhora nunca terá felicidade nas suas coisas.

“Os médicos não têm luz para curar bem os doentes, porque não têm amor de Deus”.

— “Quem foi que te ensinou tantas coisas?” — pergunta a Madre Godinho.

— “Foi Nossa Senhora; mas algumas penso-as eu. Gosto muito de pensar” (De Marchi, pp. 254-256; Walsh, pp. 161-162).

Notando que muitas visitas conversavam e riam na capela do orfanato, Jacinta pediu à Madre Godinho que as advertisse da falta de respeito que isso constituía para com a Presença real. Não dando tal medida resultados satisfatórios, pedia que comunicasse isso ao Cardeal: “Nossa Senhora não quer que a gente fale na igreja” (De Marchi, p. 252; Walsh, p. 160).



Últimos dias de Jacinta


Durante a sua curta permanência no hospital, Jacinta foi favorecida com novas visitas de Nossa Senhora, que lhe anunciou o dia e a hora em que haveria de morrer. Quatro dias antes de a levar para o Céu, a Santíssima Virgem tirou-lhe todas as dores.

Nas vésperas de sua morte, alguém perguntou-lhe se queria ver a mãe. Jacinta respondeu:

— “A minha família durará pouco tempo e em breve se encontrarão no Céu... Nossa Senhora aparecerá outra vez, mas não a mim, porque com certeza morro, como Ela me disse...” (De Marchi, p. 262).

Nossa Senhora veio buscar Jacinta no dia 20 de fevereiro de 1920.

Jacinta foi sepultada no cemitério de Vila Nova de Ourém. Francisco o fora, anteriormente, no cemitério de Fátima. Em 12 de setembro de 1935, os restos mortais de Jacinta foram transladados para o cemitério de Fátima, onde foram depositados num jazigo novo especialmente construído para ela e seu irmão. Na lápide, uma inscrição singela dizia: “Aqui repousam os restos mortais de Francisco e Jacinta, a quem Nossa Senhora apareceu”.

Mais tarde (em 1951 e 1952, respectivamente), os preciosos despojos foram levados para o transepto da Basílica de Fátima, onde se encontram.

Os processos canônicos preparatórios para a beatificação dos dois videntes de Fátima foram oficialmente iniciados em 1949.

E em 28 de junho de 1999 foi exarado o decreto reconhecendo a autenticidade do milagre necessário para a beatificação.

Por fim, no dia 13 de maio de 2000, S.S. João Paulo II deslocou-se pessoalmente ao Santuário de Fátima, onde procedeu solenemente, perante uma multidão calculada em 400 mil pessoas, à beatificação dos servos de Deus Francisco e Jacinta Marto, cuja festa celebrar-se-á anualmente, “nos lugares e segundo as normas do direito, no dia 20 de fevereiro” (Voz da Fátima, 13-6-2000).







Capítulo IV


A missão da Irmã Lúcia




Quando da segunda aparição, ao pedido de Lúcia para que a levasse para o Céu juntamente com seus primos, Nossa Senhora lhe respondeu, como vimos:

— “Sim, à Jacinta e ao Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração”.

Estas palavras indicam claramente que Lúcia, além de depositária dos segredos revelados por Nossa Senhora, ficava nesta terra para desempenhar uma determinada missão.






A sétima aparição


Antes de mais nada, cabe lembrar que, logo na primeira aparição, no dia 13 de maio, Nossa Senhora anunciara:

— “Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez”.

Devia, portanto, dar-se uma sétima aparição de Nossa Senhora, na Cova da Iria. Quando? O que Nossa Senhora queria comunicar ou manifestar nela aos homens? Seja como for, era normal admitir que a Irmã Lúcia deveria ser, ainda uma vez, a confidente de Nossa Senhora na Cova da Iria.

Assim, a não ser que esta sétima aparição se tenha dado secretamente, representaria ela uma das grandes expectativas do assunto Fátima. Com o desaparecimento da Irmã Lúcia, ela evidentemente não poderá mais ser a privilegiada vidente dessa aparição, se e quando vier a ocorrer.

Os autores que admitem já ter ocorrido tal aparição em caráter particular para a Irmã Lúcia — numa das ocasiões em que ela passou pela Cova da Iria, após o ciclo das aparições de 1917 — não fornecem, a nosso ver, dados conclusivos.

Assim, por exemplo, o Cônego Galamba de Oliveira — a quem a historiografia de Fátima deve preciosos serviços — narra que, estando com a Irmã Lúcia na Cova da Iria em 26 de maio de 1946, em determinado momento interrogou-a:

— Olhe cá. A Irmã diz que Nossa Senhora prometeu voltar uma sétima vez. Já voltou? — Já. — Pode-me dizer quando e onde? — Posso. É simples. E como alguém se aproximava e receava que ouvissem, rematou: eu logo lhe conto. E contou, ao depois, como, no dia de sua despedida da Cova da Iria, à ida para o Porto [17 de junho de 1921], vira outra vez Nossa Senhora ao fundo da pequenina encosta onde hoje se ergue a escadaria em frente à Igreja. — E não lhe disse nada? — Não. Mas aquela visão, naquele sítio e naquele dia, encheram-lhe a alma de força para levar a cruz que o esposo divino lhe punha aos ombros” (A história das aparições, in Fátima Altar do mundo, vol. II, p. 133).

Da mesma opinião é o Pe. Joaquín Maria Alonso — reconhecidamente um dos maiores peritos em Fátima — em seu livro Doctrina y espiritualidad del mensaje de Fátima (cfr. pp. 41, 46, 284 e 335).

Levanta-se, porém, a nosso ver, uma dificuldade de ordem superior: o fato de Nossa Senhora ter enumerado esta aparição na seqüência das seis primeiras — “depois voltarei ainda aqui uma sétima vez” — induz a pensar que ela deveria ter mais bem um caráter público, como o tiveram as outras seis, e não caráter privado, como teria ocorrido, segundo os referidos autores. Tanto mais quanto a Irmã Lúcia teve, fora de Fátima, numerosas e importantes visões (que a seguir descreveremos).

Que sentido tinha Nossa Senhora destacar uma sétima aparição, em Fátima, se depois iria aparecer alhures, com freqüência, à Irmã Lúcia, em assuntos sempre atinentes à mensagem de 1917?

Análoga é a opinião do Cônego Sebastião Martins dos Reis, em seu valioso livro Síntese crítica de Fátima (p. 63, nota 39):  

“É fato positivo que a Mãe de Deus apareceu à vidente, ainda em Fátima, a 17 de junho de 1921, quando Lúcia, alta madrugada, ali foi, com a mãe, rezar o Terço e despedir-se daqueles lugares indelevelmente ligados à sua vida, antes de seguir para Leiria a tomar o comboio que a levaria ao Porto, ao Asilo de Vilar, onde ficou como interna. (...) Apesar da sua coincidência material [de lugar], é muito problemático que esta sétima aparição, tão estritamente individual, corresponda e realize a sétima aparição, prometida a 13 de maio de 1917. A avaliar pelas primeiras seis, esta sétima aparição parece requerer e implicar destinatários e audiência de índole igualmente geral e coletiva”.

Endossa essas considerações Frère Michel de la Sainte Trinité (cfr. Toute la vérité sur Fatima, tomo I, pp. 186-187).

Os preclaros autores que consideram o assunto encerrado não enfrentam, entretanto, essa dificuldade. De modo que a sétima aparição, anunciada com tão grande destaque por Nossa Senhora, nos parece — salvo melhor juízo — uma questão em aberto.

Os eventos previstos em Fátima não estando ainda concluídos — conforme demonstramos nos comentários ao Segredo (cfr. Capítulo II) — poder-se-ia conjecturar que essa sétima aparição representaria o “ponto final” da Mensagem de Fátima, que Nossa Senhora mesma sintetizou nas célebres palavras: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.

Uma aparição, enfim, que marcasse o início de uma nova era histórica, conforme anteviu o Papa Pio XII na encíclica Ad Caeli Reginam (cfr. AAS, 1959, vol. XLVI, p. 638), em perfeita consonância com a noção, à qual nos temos referido mais de uma vez, do Século de Maria ou Reino de Maria preconizado por São Luís Maria Grignion de Montfort.

Esta aparição, sim, poderia constituir o “fecho de ouro” da Mensagem, que afinal anuncia, nada mais nada menos — como conseqüência necessária do triunfo do Imaculado Coração de Maria — o triunfo de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Santa Igreja, após tantos séculos de um processo revolucionário que levantou os homens e as instituições humanas contra Deus, como bem descreveu o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu célebre tratado Revolução e Contra-Revolução (ver Obras citadas).



O itinerário de Lúcia


A 17 de junho de 1921, Lúcia partiu de Aljustrel para o Porto, e foi recebida como aluna interna no Colégio das Irmãs Dorotéias, em Vilar, subúrbio desta última cidade. Em 24 de outubro de 1925 ingressa no Instituto de Santa Dorotéia, sendo então admitida como postulante no convento dessa Congregação em Tuy, na Espanha, junto da fronteira com Portugal. A 2 de outubro de 1926 é noviça. A 3 de outubro de 1928 pronuncia seus primeiros votos como Irmã conversa. Seis anos depois, no mesmo dia de outubro, emite votos perpétuos. Toma o nome de religião de Irmã Maria das Dores.

Por ocasião da revolução comunista na Espanha, é transferida, por motivos de segurança, para o Colégio do Sardão, em Vila Nova de Gaia (Portugal), onde permanece durante algum tempo.

Mais tarde, no dia 26 de maio de 1946, a Irmã Lúcia pôde rever o local das aparições, tendo estado na Cova da Iria, na gruta do Cabeço e no sítio dos Valinhos.

Posteriormente, em 25 de março de 1948, deixou o Instituto de Santa Dorotéia para ingressar no Carmelo de São José, em Coimbra, com o nome de Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado. A 13 de maio do mesmo ano vestiu o hábito de Santa Teresa, e no dia 31 de maio de 1949 professou como Carmelita descalça.

Sobre os motivos pelos quais a Irmã Lúcia deixou o Instituto de Santa Dorotéia para ingressar no Carmelo de Coimbra, o Bispo-Conde desta cidade assim se exprime, em carta de 27 de maio de 1948, ao Pe. José Aparício SJ, antigo diretor espiritual da vidente:  

“De fato, a vidente passou no dia 25 de março para o Carmelo desta cidade, porque o Santo Padre, a pedido dela, ordenou que não levantasse dificuldades à sua transferência, pois era perturbada por inúmeras visitas, algumas das quais bem impertinentes e curiosas, que a atormentavam sem proveito para ninguém. [...] Diz ela que nunca sentiu tanta paz e alegria como naquele asilo, o qual não trocaria por tudo quanto há no mundo. Em vista do desejo do Santo Padre, não recebe cartas nem visitas, mas dou-lhe conhecimento, por escrito, das necessidades de pessoas que se lhe recomendam. Ainda não abri uma exceção. [...] Só é permitido que a visitem os que obtiverem licença da Santa Sé” (cfr. Pe. Luiz Gonzaga Mariz SJ, Fátima, onde o céu tocou a terra, p. 32).


A devoção dos cinco primeiros sábados


No segredo de julho, Nossa Senhora dissera:

— “Virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados”.

A mensagem de Fátima não estava, pois, definitivamente encerrada com o ciclo de aparições da Cova da Iria, em 1917.

No dia 10 de dezembro de 1925, a Santíssima Virgem, tendo ao lado o Menino Jesus sobre uma nuvem luminosa, apareceu à Irmã Lúcia, em sua cela, na Casa das Dorotéias, em Pontevedra (Espanha). Pondo-lhe uma das mãos ao ombro, mostrou-lhe um Coração rodeado de espinhos, que tinha na outra mão.

 O Menino Jesus, apontando para ele, exortou a vidente com as seguintes palavras: “Tem pena do Coração de tua Santíssima Mãe, que está coberto de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Lhe cravam, sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar”.

A Santíssima Virgem acrescentou:

“Olha, minha filha, o meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Me cravam com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar, e dize que todos aqueles que durante cinco meses, no primeiro sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um terço e Me fizerem quinze minutos de companhia meditando nos quinze mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assisti-los na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 400; Ayres da Fonseca, pp. 350-351; Walsh, p. 196; De Marchi, ed. em inglês, pp. 152-153; Fazenda, pp. X-XI).

No dia 15 de fevereiro de 1926, o Menino Jesus torna a aparecer à Irmã Lúcia, em Pontevedra, perguntando-lhe se já havia divulgado a devoção à sua Santíssima Mãe. A vidente dá conta de dificuldades apresentadas pelo confessor, e explica que a Superiora estava pronta a propagá-la, mas que aquele Sacerdote havia dito que sozinha a Madre nada podia. Jesus respondeu:

— “É verdade que a tua Superiora só nada pode, mas com a minha graça pode tudo”.

A Irmã Lúcia expôs a dificuldade de algumas pessoas de se confessarem no sábado, e pediu para ser válida a confissão de oito dias. Jesus respondeu:  

— “Sim, pode ser de muitos mais dias ainda, contanto que, quando Me receberem, estejam em graça e tenham a intenção de desagravar o Imaculado Coração de Maria”. A Irmã Lúcia ainda levantou a hipótese de alguém esquecer de formar a intenção ao confessar-se, ao que Nosso Senhor respondeu:

— “Podem formá-la na outra confissão seguinte, aproveitando a primeira ocasião que tiverem de se confessar” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 400; Fazenda, pp. XI-XII; Ayres da Fonseca, p. 351; De Marchi, ed. em inglês, p. 153).

Na vigília de 29 para 30 de maio de 1930, Nosso Senhor, falando interiormente à Irmã Lúcia, resolveu ainda outra dificuldade:  

“Será igualmente aceita a prática desta devoção no domingo seguinte ao primeiro sábado, quando os meus Sacerdotes, por justos motivos, assim o concederem às almas” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 410).

Na mesma ocasião, Nosso Senhor responde a outra consulta que o Pe. José Bernardo Gonçalves SJ dirigira, como a anterior, à Irmã Lúcia: “Por que hão de ser ‘cinco sábados’, e não nove, ou sete em honra das dores de Nossa Senhora?”

“Minha filha, o motivo é simples, são cinco as espécies de ofensas e blasfêmias proferidas contra o Imaculado Coração de Maria:

1º — As blasfêmias contra a Imaculada Conceição;

2º — Contra a sua Virgindade;

3º — Contra a Maternidade Divina, recusando, ao mesmo tempo, recebê-La como Mãe dos homens;

4º — Os que procuram publicamente infundir, nos corações das crianças, a indiferença, o desprezo, e até o ódio para com esta Imaculada Mãe;

5º — Os que a ultrajam diretamente nas suas sagradas imagens” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, pp. 408-410).






A divulgação da primeira e da segunda parte do Segredo


A 17 de dezembro de 1927 Lúcia foi para junto do sacrário, na Capela da Casa das Dorotéias em Tuy, perguntar a Nosso Senhor como satisfaria a ordem do confessor de colocar por escrito algumas graças recebidas de Deus, se nelas estava encerrado o segredo que a Santíssima Virgem lhe tinha confiado. Jesus, com voz clara, fez-lhe ouvir estas palavras:

— “Minha filha, escreve o que te pedem; e tudo o que te revelou a Santíssima Virgem na aparição em que falou desta devoção [ao Imaculado Coração de Maria] escreve-o também. Quanto ao resto do segredo, continua o silêncio” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 400; Ayres da Fonseca, p. 34).

Em conseqüência da ordem assim recebida, Lúcia revelou o que se passara na aparição de junho.

Mais tarde, em 1941, quando o Bispo de Leiria lhe ordenou que recordasse tudo o mais que pudesse interessar à história da vida de Jacinta, para uma nova edição que queriam mandar imprimir, a vidente, obtida licença do Céu, revelou duas das três partes do segredo de julho.

São suas palavras:

— “O segredo consta de três coisas distintas, duas das quais vou revelar.

A primeira foi, pois, a vista do inferno”.

E segue-se a narração das duas partes do segredo, conforme a reproduzimos no devido lugar, ao relatar a aparição de julho (cfr. III Memória, pp. 216-220; Ayres da Fonseca, pp. 43-44; Galamba de Oliveira, p. 146).


O itinerário da terceira parte do Segredo até a sua divulgação oficial



Quanto à terceira parte do Segredo, a vidente escreveu-a na Casa das Dorotéias, em Tuy (Espanha), no dia 3 de janeiro de 1944, ao que parece numa folha só de papel de carta pautado, dobrada ao meio, de modo a constituir um fólio de 4 páginas (no formato aproximado de 12 x 18 cm, com 16 pautas por página). Sabe-se que a Irmã Lúcia o fez a instâncias do Bispo de Leiria, por ocasião de uma grave enfermidade por que passou, conforme já historiamos na Introdução deste trabalho.

Em carta do dia 9 de janeiro, a Irmã Lúcia comunicou ao Prelado que o texto estava redigido e à disposição dele, num envelope lacrado, do modo que ele determinara.

No dia 17 de junho, a pedido do Bispo de Leiria, o Bispo titular de Gurza, D. Manuel Maria Ferreira da Silva, dirigiu-se para Valença, cidade portuguesa limítrofe com Tuy, à margem do Rio Minho. Ali, no Asilo Fonseca, recebeu das mãos da Irmã Lúcia, que também para lá se deslocara, o precioso documento. E na mesma tarde o entregou a D. José, na Quinta da Formigueira, casa de campo do Prelado nos arredores de Braga.

Em Leiria, D. José o colocou em outro envelope maior, também lacrado, e o depositou na caixa forte da Cúria. Do lado de fora do envelope maior escreveu: “Este envelope, com seu conteúdo, será entregue a Sua Eminência o Sr. Cardeal D. Manuel, patriarca de Lisboa, após a minha morte. Leiria, 8 de dezembro de 1945. José, Bispo de Leiria”.

Da caixa-forte da Cúria, o documento só saiu em raríssimas ocasiões, simplesmente para ser contemplado por fora por algumas pessoas privilegiadas. De uma dessas ocasiões é a célebre foto do Bispo de Leiria tendo à frente o envelope lacrado. O Prelado consentira em deixar-se fotografar pela revista Life, que a publicou em 3 de janeiro de 1949.

Ao encaminhar o envelope lacrado ao Bispo de Leiria, a Irmã Lúcia escrevera no envelope exterior que ele poderia ser aberto somente depois de 1960, pelo Patriarca de Lisboa ou pelo Bispo de Leiria.

Em princípios de 1957, a Sagrada Congregação do Santo Ofício (atual Congregação para a Doutrina da Fé) pediu que o Bispo de Leiria o remetesse para Roma. Levou-o então para a Nunciatura Apostólica em Lisboa o Bispo Auxiliar de Leiria, D. João Pereira Venâncio (cfr. Frère Michel de la Sainte Trinité, tomo III, pp. 320-321). De Lisboa, o Núncio Mons. Fernando Cento, depois Cardeal, conduziu-o até o Vaticano, onde deu entrada no Arquivo Secreto do Santo Ofício no dia 4 de abril de 1957.

Não consta que Pio XII, o qual faleceu em 9 de outubro de 1958, tenha tomado conhecimento do Segredo. O Pe. Leiber, íntimo colaborador desse Pontífice, diz que o boato segundo o qual o Papa teria chorado, ou até desmaiado, ao ler o Segredo, “é inteiramente gratuito; não houve nada disso” (apud J. M. Alonso, La verdad sobre el Secreto de Fátima, p. 43).

Como era natural, à medida que o ano de 1960 ia se aproximando, a curiosidade mundial em torno do Segredo ia aumentando.

No dia 8 de fevereiro de 1960, um despacho distribuído pela Agência Nacional de Informação, de Portugal, louvando-se em declarações de “círculos do Vaticano, altamente fidedignos” anunciava ser “muito provável que o ‘Segredo de Fátima’ seja mantido, para sempre, sob absoluto sigilo”.

E esclarecia: “Perante as pressões que têm sido exercidas junto ao Vaticano, afirmaram os mesmos círculos, — umas para que a carta seja aberta e o seu conteúdo revelado ao mundo inteiro; outras, partindo da suposição de que na carta se conteriam vaticínios alarmantes, para que não seja publicada, — o Vaticano resolveu que o texto da carta da Irmã Lúcia não seja revelado, continuando a ser mantido sob rigoroso sigilo” (apud Sebastião Martins dos Reis, O Milagre do Sol e o Segredo de Fátima, pp. 127-128).

O que efetivamente se passara? — No dia 17 de agosto de 1959, João XXIII recebe das mãos do Pe. Pierre Paul Philippe OP (então Comissário do Santo Ofício, depois Cardeal) o envelope contendo o Segredo.

Alguns dias depois o lê, com a ajuda do tradutor português da Secretaria de Estado, Mons. Paulo José Tavares (depois bispo de Macau) e decide não publicá-lo, devolvendo-o para o Santo Ofício (cfr. A Mensagem de Fátima, Apresentação de Mons. Tarcisio Bertone SDB, 26-6-2000; cfr. também Declaração de 20 de junho de 1977 de Mons. Loris Capovilla, secretário-particular de João XXIII, apud Pe. José Geraldes Freire, O Segredo de Fátima: a terceira parte é sobre Portugal?, pp. 136-137).

Também Paulo VI o leu, em 27 de março de 1965, tomando análoga decisão (cfr. Mons. Tarcisio Bertone, loc. cit.).

Em 11 de fevereiro de 1967, o Cardeal Alfredo Ottaviani, então prefeito do Santo Ofício, fez uma conferência — que se tornou famosa — na aula magna da Pontifícia Academia Mariana Internacional, em Roma, numa reunião preparatória do cinqüentenário das aparições de Fátima.

Ele contou que estivera com a Irmã Lúcia no Carmelo de Coimbra, em maio de 1955, e perguntara à vidente qual a razão da data de 1960 para a abertura do Segredo.  

“Porque então ficará mais claro” — respondeu a vidente. “O que me faz pensar — comenta o Cardeal — que a mensagem era de tom profético, porque precisamente as profecias, como se vê na Sagrada Escritura, estão recobertas de um véu de mistério. Elas não são geralmente expressas em linguagem manifesta, clara, compreensível para todo mundo (La Documentation Catholique, Paris, 19-3-67, p. 542).








2 comentários:

  1. Gostei muito da mensagem de Fátima e não tenho dúvida que Nossa Senhora nos convida a conversão, a penitência e a oração, principalmente nos dias de hoje, que muita gente muda de religião sem precisão, ou então, vive como pagão. Peçamos a Jesus que nos santifique e nos fortaleça na caminhada da vida.

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  2. José Francisco Vidigal19 de dezembro de 2016 às 17:59

    Excelente a publicação do texto completo da obra do Dr. Antonio Augusto de Borelli Machado, de crucial importância no mundo de hoje. Infelizmente a Humanidade não dá a Fátima a importância que tem para compreender nossos dias.

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