Nossa Senhora de Fátima. Fundo: Moscou |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
“A Rússia será católica?” não é a interrogação de um sonhador. Em Fátima, Nossa Senhora patenteou predileção por esse país de dimensões imperiais ao dar entender que a instauração de seu Reino na terra teria como prolegômenos a conversão do mundo russo ao catolicismo.
Com efeito, a Providência suscitou grandes almas que consagraram suas vidas à conversão da Rússia dos Czares. Algumas delas abandonaram os erros que erodiam o país e se converteram no século XIX.
Elas intuíram com fé e muito raciocínio que o dia glorioso da conversão da Rússia acabará chegando.
Foi o caso do Pe. Ivan Gagarin, príncipe russo que ingressou na Companhia de Jesus e é autor de um livro que fez sensação em sua época: “A Rússia será católica?” (La Russie sera-t-elle catholique?, Paris, 1856). O professor Roberto de Mattei acaba de lhe dedicar dois substanciosos artigos em seu site “Corrispondenza Romana”.
Dele tiramos as informações para este post, a partir de uma tradução da agência ABIM feita por Helio Dias Viana.
Ivan Sergeevič Gagarin nasceu em Moscou no dia 20 de julho de 1814, de uma casa principesca descendente dos príncipes de Kiev.
Foi adido na legação russa em Munique, e depois na embaixada de Paris, onde amadureceu sua conversão ao catolicismo.
Em 7 de abril de 1842 abjurou a religião ortodoxa e abraçou a fé católica pelas mãos do padre François Xavier de Ravignan (1795-1858), que já obtivera a conversão do conde Šuvalov.
Ivan Gagarin renunciava, aos 28 anos, não só a um brilhante futuro político e diplomático, mas à esperança de poder retornar à sua pátria.
Príncipe Ivan Sergio Gagarin (1814 -1882) em 1835, antes da conversão |
O abandono da ortodoxia por uma outra religião, ainda que cristã, era punido com a perda de todos os bens, dos direitos civis e dos títulos nobiliárquicos, e podia dar em reclusão perpétua em um mosteiro ou exílio na Sibéria.
O governo russo considerou o príncipe Gagarin como um inimigo a ser eliminado. Ele foi alvo de uma campanha de calúnias organizada pela Chancelaria Imperial.
O Pe. Gagarin publicou o livro La Russie sera-t-elle catholique? em 1856. Nele o sacerdote se refere à solene bula de Bento XIV Allatae sunt, de 26 de julho de 1755, em que o Santo Padre, manifestando “a benevolência com a qual a Sé Apostólica abraça os orientais”,
“ordena que se conservem seus antigos ritos que não se oponham à Religião Católica nem à honestidade; nem se peça aos Cismáticos que retornam à Unidade Católica para que abandonem seus ritos, mas apenas que abjurem a heresia, desejando fortemente que seus diferentes povos sejam conservados, não destruídos, e que todos (para dizer muitas coisas com poucas palavras) sejam Católicos, não latinos”.
Para o jesuíta russo, o cisma ortodoxo é principalmente o resultado do “bizantinismo”, um erro segundo o qual não há distinção entre os dois poderes, o temporal e o espiritual.
A Igreja é de fato subordinada ao Imperador, que a dirige enquanto delegado de Deus no campo eclesiástico e no secular.
Os autocratas russos, como os imperadores bizantinos, veem na Igreja e na religião um meio do qual servir-se para garantir e dilatar a unidade política.
Este calamitoso sistema que vem sendo aplicado hoje por Vladimir Putin se funda em três pilares: a religião ortodoxa, a autocracia e o princípio da nacionalidade, sob cujo signo penetraram na Rússia as ideias de Hegel e dos filósofos alemães.
Tal penetração daria na expansão das ideais comunistas de Marx, e por fim na Revolução bolchevique de Lenine em 1917.
Aquilo que se esconde sob as palavras pomposas de ortodoxia, autocracia e nacionalidade, “não é senão a formulação oriental da ideia revolucionária do século XIX” (p. 74), fruto da Revolução Francesa anticlerical e anticristã, comenta o prof. de Mattei.
Em uma profética página, o padre Gagarin escreve:
Príncipe Ivan Sergio Gagarin (1814 -1882) já jesuíta,
foto sem data
“Quanto mais se desce ao fundo das coisas, mais se é levado a concluir que a única luta verdadeira é entre o Catolicismo e a Revolução.
Quando em 1848 o vulcão revolucionário aterrorizava o mundo com seus rugidos e fazia tremer a sociedade abalada em seus fundamentos, o partido que se dedicou a defender a ordem social e a combater a Revolução não hesitou em inscrever em sua bandeira Religião, Propriedade, Família.
“Ele não hesitou em enviar um exército para restabelecer em sua sede o Vigário de Jesus Cristo, que a Revolução havia forçado a tomar o caminho do exílio.
Esse partido tinha perfeitamente razão; está-se em presença de apenas dois princípios: o princípio revolucionário, que é essencialmente anticatólico, e o princípio católico, que é essencialmente contra-revolucionário.
“Apesar de todas as aparências contrárias, só há no mundo dois partidos e duas bandeiras.
De um lado, a Igreja Católica arvora o estandarte da cruz, que contém o verdadeiro progresso, a verdadeira civilização e a verdadeira liberdade; de outro, apresenta-se a bandeira revolucionária, em torno da qual se agrupa a coalizão de todos os inimigos da Igreja.
“Ora, o que faz a Rússia? De um lado, combate a Revolução; de outro, combate a Igreja Católica. Tanto externa quanto internamente, encontrareis a mesma contradição. (...)
“E se ela quiser ser coerente consigo mesma, se quiser francamente combater a Revolução, tem apenas um partido a tomar: colocar-se sob o estandarte católico e reconciliar-se com a Santa Sé” (La Russie sera-t-elle catholique?, Charles Douniol, Paris 1856, pp. 63-65).
A Rússia não atendeu ao apelo do príncipe sacerdote, comenta o prof. de Mattei. A Revolução bolchevique, após ter exterminado os Romanov, difundiu seus erros no mundo.
Príncipe Ivan Sergio Gagarin (1814 -1882) já jesuíta |
A derrota dos erros revolucionários não poderá ser ultimada, na Rússia e no mundo, senão sob os estandartes da Igreja Católica.
As ideias do padre Gagarin inspiraram o barão alemão August von Haxthausen (1792-1866), que com o apoio dos bispos de Münster e de Paderborn fundou uma Liga de orações denominada Petrusverein (União de São Pedro) pela conversão da Rússia.
Associação análoga, sob o impulso dos padres barnabitas Šuvalov e Tondini, nasceu na Itália e na França. Aos inscritos nessas associações recomendava-se rezar em todos os primeiros sábados do mês pela conversão da Rússia.
Em 30 de abril de 1872, Pio IX concedeu com um Breve indulgência plenária a todos aqueles que, tendo confessado e comungado, assistissem no primeiro sábado do mês à Missa celebrada pelo retorno da Igreja Greco-russa à unidade católica.
Nossa Senhora aprovou certamente essa devoção, pois em Fátima, em 1917, Ela recomendou a prática reparadora dos primeiros cinco sábados do mês como instrumento da instauração de seu Reino, na Rússia e no mundo, conclui Roberto de Mattei.
(Autor: Roberto de Mattei, “Corrispondenza romana”, 8-6-2017. Matéria traduzida do original italiano na ABIM por Hélio Dias Viana).
Ótimo texto, obrigado por compartilhá-lo. Estou lendo seu livro sobre a Aparição de La Salette, logo após ter concluído a leitura do livro de William Thomas Walsh, "Nossa Senhora de Fátima". Agradeço-o pela publicação de tão importante matéria, que causa espanto ser tão desconhecida, diante da extrema importância que representa. Faz-me pensar que o terceiro segredo de Fátima, provavelmente trazido a público de forma obscurecida ou distorcida, estaria já contado no segredo de La Salette.
ResponderExcluirCordialmente,
Adriano
Interessante seu comentário! É bem provável que haja uma inter-relação entre certas aparições marianas, como por exemplo, La Salette e Fátima. Dizem também que a mensagem de La Salette não foi totalmente revelada, mas, aí em relação à La Salette já está parecendo teoria da conspiração. Até onde sei a mensagem de La Salette foi totalmente revelada.
ExcluirPrezado Luís, é comum ouvir na internet as pessoas se preparando para um tempo de catástrofes e escassez. Alguns aconselham a formarem comunidades cristãs na zona rural, no campo. O que o senhor pensa disso? Isso poderia ser algum tipo de alarmismo? Será que mudar-se para a zona rural, para o campo seria uma opção certa nos tempos em que estamos vivendo?
ResponderExcluirPrezado Anônimo,
ExcluirNão ouvi esse zum-zum. É claro que na Internet publica-se muita coisa boba, falsa ou deturpada. Nós fazemos questão de publicar só documentos originais ou que passaram pelo crivo da censura eclesiástica ou de críticos trabalhando em base científica.
Sei com certeza que o Papa Bento XV proibiu com decreto a difusão do Segredo de La Salette, na íntegra ou em partes, e mandou retirar qualquer edição das bibliotecas eclesiásticas. Foram levantadas dúvidas contra o Segredo que não podiam ser esclarecidas por causa da perda dos originais nos arquivos vaticanos.
O Segredo foi incluído no Index Librorum Proibitorum que antigamente o Vaticano mantinha zelosamente para evitar más leituras aos católicos.
Porém, todas as dificuldades desapareceram quando em 2 de outubro de 1999, o Pe. Michel Corteville encontrou nos Arquivos Vaticanos, o dossiê completo dos documentos originais de La Salette, com todos os selos e garantias de autenticidade.
Esta documentação foi defendida pelo sacerdote em tese apresentada na Universidade Angelicum de Roma e premiada pela sua alta qualidade.
Mais informações no nosso post: Proibição da mensagem de La Salette e maravilhosa redescoberta no século XX https://aparicaodelasalette.blogspot.com.br/2009/04/proibicao-da-mensagem-de-la-salette-e.html
No nosso blog nós só usamos essa versão original e completa redigida pessoalmente pela vidente Mélanie e que ela defendeu ferrenhamente contra ferozes polemistas adversários.
Já no século XIX houve os "católicos liberais" predecessores dos atuais "progressistas" que se sentiram denunciados pelo Segredo, e espalhavam que o Segredo é fabulação dos videntes. Esses, na melhor das hipóteses, só aceitavam a parte "pública" da mensagem de La Salette que as crianças deram a conhecer logo depois da aparição.
Há ainda, nos arraiais "progressistas" quem defende essa posição. Mas ela ficou insustentável após a publicação do Segredo de modo completo e defendido pela própria Mélanie. Essa é a única versão que nós publicamos.
Atenciosamente
Obrigado pela atenciosa resposta, Luís! Gostaria de deixar claro que não foi minha intenção dizer que este blog, o qual aprecio muito, deixou de publicar parte da mensagem de La Salette. Minha intenção era sim solucionar uma perplexidade que me causou certas teorias conspiratórias. Tem alguns vídeos na internet, com um tal Fr. Hesse que fala que a mensagem de La Salette conteria uma parte não publicada e que nessa parte não publicada haveria a expressão "deux papes vermoulus", que ele traduz por "two worm-ridden popes". Não sei nada sobre esse Fr. Hesse, mas fiquei perplexo e impressionado com essa afirmação. Mas, agora vejo, isso não passa de boatos. Devo dizer também que confio muito na credibilidade deste blog, por isso me senti encorajado a fazer aquela pergunta. Peço desculpas, se de algum forma pareci duvidar da credibilidade do blog; apenas fiquei impressionado com uma informação pouco confiável que encontrei na internet.
ExcluirReconheço e aprecio sua boa intenção e lhe fico agradecido.
ExcluirAcontece que a expressão "deux papes vermoulus, plats, douteux" não faz parte do Segredo, em hipótese alguma.
Mas, sim foi usada pela vidente Mélanie em carta escrita ao Pe.Isidore Roubaud, professor do seminário de Brignoles, e pároco sucessivamente de La Motte e Vins. A carta tem data de 30 de setembro de 1894.
O Pe. Roubaud queria saber sobre "a grandíssima tribulação" prevista em La Salette, e também sobre outras profecias com acréscimos nesse sentido.
Mélanie responde que ela não sabe a data, mas que antes dos grandes eventos profetizados haveriam de transcorrer dois momentos de paz de breve duração. Neles haveria dois papas que teriam essas características.
Aliás, há muito estava para preparar um post sobre essa carta, mas me faltou o tempo e quase esqueço do assunto.
Seu comentário significou mais um estimulo a abordar o assunto.
Atenciosamente
Luis, agradeço muito sua compreensão e atenção! Obrigado também pelo encorajamento!
ExcluirAchei muito interessante a menção dessa carta que Mélanie escreveu. Não sabia nada sobre isso. Achei ainda mais interessante a menção desses dois momentos de paz de que fala Mélanie. Fico com a impressão de que estes dois momentos de paz podem ter sido um entre a 1ª Guerra Mundial e a 2ª Guerra Mundial e o outro depois da 2ª Guerra Mundial, o qual, provavelmente se encerrou com os vários conflitos e guerras que atualmente estão decorrendo mundo afora; a 3ª Guerra Mundial em pedaços como diria o Papa Francisco.
ExcluirLuís, o senhor já ouviu a teoria de que a mensagem de La Salette não teria sido totalmente publicada, mas uma parte dela teria sido censurada e ocultada pelo Vaticano, à semelhança do que aconteceu com Fátima? Isso é falso ou verdadeiro? Me desculpe a pergunta, mas a gente encontra tanta coisa pela internet que às vezes se deixa impressionar por certas afirmações. (Vou ver se eu consigo reencontrar o vídeo onde vi essa afirmação.)
ResponderExcluirVer resposta acima.
ExcluirAtenciosamente
Mais uma vez obrigado!
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